Para quem tentou e não consegue meditar – 1

Abaixo vários textos selecionados que podem dar uma luz nessa questão de não conseguir meditar.

Como verão com o desenvolvimento da série de textos que vou publicar, meditação pode ser algo muito pessoal e simples. Tão simples que complicamos. Tenha em mente a ideia de abandonar expectativas a respeito da meditação e somente faça a que melhor se adaptar a você.

Do Livro Wu Wei: a arte de viver do Tao

Existe uma possibilidade, um método, para apoiar o passo para a iluminação?

Existe, mas ela está ligada a uma série de condições, ela deve funcionar. O Taoísmo conhece um tipo de ioga. Esta ioga tem grande semelhança com a ioga indiana, mas a sua origem é chinesa. Ela tem como objetivo principal uma longa vida terrestre e ocupa-se com diferentes técnicas de respiração, que podem criar estados semelhantes ao kundalini. Mas não quero falar dessa ioga. A meditação é um caminho que seguramente o levará mais próximo à perfeição. Isto é, a meditação de uma qualidade especial.

Citarei Dschuang Dsi:
Se permanecermos em silêncio total, então surgirá a luz divina. Quem irradia esta luz divina, este verá o seu verdadeiro “eu”. Quem preservar o seu verdadeiro “eu”, realizará o absoluto.

Não tem sentido nenhum se você se sentar agora, tentar reprimir os seus pensamentos, e permanecer um tempo de pernas cruzadas, vinte minutos ou uma hora. Isto é bobagem total, e na melhor das hipóteses poderá lhe dar uma impressão de tranqüilidade. Antes de iniciar a meditação do silêncio, você deve ter consciência de todos os seus compromissos, e tê-los afastado um a um.

Quem quiser meditar corretamente terá de estar livre de todos os seus compromissos, livre destes diques que limitam tanto o seu espírito e a sua saúde mental. Mencionei várias vezes como você pode sair deste dilema de compromissos. Esta observação dos processos em você já foi uma forte meditação – e ela funciona. Se você viver um estado de espírito despreocupado, alegre e hoje cheio de vitalidade, no aqui e agora, sem sequer pensar em ontem ou amanhã – então chegou a hora da verdadeira meditação.

Você pode realizar o exercício do silêncio em qualquer lugar. Em um canto tranqüilo de casa, em um passeio na natureza, ou até mesmo dentro de um transporte público. Você pode escolher se quer ou não fechar os olhos, a mesma coisa com a sua postura corporal. A meditação ou funciona, ou não. O sucesso não depende da postura física. E não fixe um horário para a sua meditação. E não planeje a duração dela. Observe um gato. O animal se deita ou senta em seu lugar e fica parado durante um tempo. Quando ele achar que é suficiente, ele levanta e passa a fazer outra coisa. Ele não pensa em sentar ou deitar, ele simplesmente o faz, e para quando for suficiente. Assim você deveria exercer a sua meditação, como este gato. Sem propósito, sem obrigação, na postura que lhe for confortável, andando, sentado, ou deitado. Medite o tempo que lhe for agradável, não se force a nada. Um minuto de meditação bem feita vale mais do que muitas horas de meditação que você exerce no espírito errado.
O conteúdo de sua meditação é o silêncio. Não é o silêncio resultante de estímulos reprimidos, ou de pensamentos brecados forçadamente. Naturalmente a sua mente deveria estar livre de pensamentos que atrapalhem.

Esta liberdade você alcançará de maneira até fácil, quando aparecer simplesmente como observador de seus pensamentos, e esperar por eles antes mesmo que apareçam. Neste exercício você logo perceberá que os seus pensamentos se acalmam, se tornam mais raros, até que um dia parem completamente. Você precisa apenas manter distância deles, e deve parar de ocupar-se com eles. Esta observação, a sua atenção você só consegue manter durante a sua meditação. Fique tranqüilo e seja atencioso. Escute o seu interior com todos os seus sentidos. Não é necessário mais nada. Se esta meditação for praticada em um estado de liberdade interior, lhe resultarão energias muito fortes, e incorpora uma inteligência que por outro lado está estabelecida no seu pensamento racional. E um certo dia, bem despretensiosamente e sem efeitos colaterais espetaculares, como por exemplo, percepção de luz ou outras visões, você viverá uma imagem abrangente da verdade. A verdade, também chamada de iluminação, instalou-se em você.

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A mente em meditação Sogyal Rinpoche

O que, então, devemos “fazer” com a mente em meditação? Absolutamente nada. Deixa-la como está. Um mestre descreveu a meditação como “a mente suspensa no espaço, em lugar nenhum”.

O ditado é famoso: “Se a mente não é fabricada, aparece espontaneamente imbuída de uma felicidade sublime, assim como a água que se mostra naturalmente transparente e límpida quando não é agitada”. Com freqüência comparo a mente em meditação com um jarro d’água barrenta: quanto menos interferências ou agitação tiver, mais partículas de terra se depositam no fundo, permitindo que a claridade natural da água transpareça. A própria natureza da mente é tal que se você a deixa em seu estado inalterado e natural, ela encontrará sua verdadeira natureza, que é bem-aventurança e claridade.

Tome cuidado, portanto, para não impor nem cobrar nada à mente. Ao meditar, não deve haver qualquer esforço na direção do controle, nem empenho em ser pacífico. Não seja solene demais nem se sinta como se estivesse tomando parte num ritual especial; deixe de lado até a idéia de que está meditando. Seu corpo e a sua respiração devem ser entregues a si mesmos. Pense em si próprio como o céu, sustentando todo o universo.

UM DELICADO EQUILÍBRIO

Na meditação, como em todas as artes, deve haver um equilíbrio sutil entre relaxamento e estado de alerta. Uma vez um monge chamado Shrona estava estudando meditação com um dos discípulos mais próximos do Buda. Estava tendo dificuldades em encontrar a abordagem correta da mente,. Tentou com esforço se concentrar e acabou tendo uma forte dor de cabeça. Então relaxou sua mente, mas a tal ponto que terminou dormindo. Finalmente apelou para o Buda, pedindo socorro. Sabendo que Shrona fora um músico famoso antes de se tornar monge, o Buda perguntou-lhe:

“Você não era um tocador de vina quando leigo?”

Shrona concordou.

  • “Como tirava o melhor som da sua vina? Era quando as cordas estavam tensas, ou quando estavam frouxas?”
  • “Nem uma, nem outra, Quando tinham a tensão correta, nem esticadas nem frouxas”.
  • “Bem, é exatamente a mesma coisa com a sua mente”.
  • Uma das maiores mestras tibetanas, Ma Chik Lap Drön, disse: “Alerta, alerta; todavia relaxe, relaxe. Esse é um ponto crucial para a Visão na meditação”. Vigie sua vigilância, mas ao mesmo tempo fique relaxado, tão relaxado de fato que você nem se apegue à idéia de relaxamento.

PENSAMENTOS E EMOÇÕES: AS ONDAS E O OCEANO

Quando as pessoas começam a meditar, sempre dizem que seus pensamentos estão desenfreados e tornam-se mais agitados do que nunca. Mais eu as tranqüilizo dizendo que esse é um bom sinal. Longe de significar que seus pensamentos estão muito agitados, isso mostra que você ficou mais tranqüilo e está finalmente cônscio do quão ruidosos seus pensamentos sempre foram. Não se desencoraje ou desista. O que quer que surja, apenas mantenha-se presente e continue voltando-se para a sua respiração, mesmo no meio da maior confusão. (…)

Tal como o oceano tem ondas e o sol tem raios, a radiância própria da mente são seus pensamentos e emoções. O oceano tem ondas, mas não é particularmente perturbado por elas.

As ondas são a mesma natureza do oceano. As ondas aparecem, mas para onde vão? De volta ao oceano. E de onde vêm? Do oceano. Do mesmo modo, pensamentos e emoções são a radiância e a expressão da verdadeira natureza da mente. Eles surgem na mente, mas onde se dissolvem? Na própria mente. O que quer que apareça, não o encare como um problema particular; se você não reage de maneira impulsiva, se sabe ser apenas consciente, isso assentará novamente em sua natureza essencial. (…)

Assim, não importa que pensamentos e emoções apareçam, permita que eles venham e assentem, como as ondas do oceano. Não importa o que se perceba pensando, deixe esse pensamento surgir e se assentar, sem interferência. Não se apegue a ele, não o alimente, não lhe preste demasiada atenção; não se agarre a ele e não tente dar-lhe solidez. Nem siga ou convide os pensamentos; seja como o oceano olhando para suas próprias ondas ou o céu do alto observa as nuvens que passam por ele. (…)

Meu mestre [Jamyang Khyentse Rinpoche] teve um estudante chamado Apa Pant, um destacado diplomata e autor indiano que serviu como embaixador da Índia em várias capitais ao redor do mundo. Ele foi até representante do governo da Índia no Tibet, em Lhasa, e noutro momento do Sikkim. Era praticante de meditação e yoga, e cada vez que via meu mestre perguntava-lhe “como meditar”. Seguia uma tradição oriental em que o estudante continua interrogando com uma pergunta simples e básica, repetidamente.

Apa Pant me contou essa história. Um dia nosso mestre Jamyang Khyentse estava observando uma “Dança do Lama” em frente do palácio-templo em Gantok, capital do Sikkim, e ria-se das cabriolas do atsara, o palhaço que apresentava divertimentos leves entre as danças. Apa Pant continuava assediando nosso mestre e, desta vez, quando este respondeu, deixou claro que seria a resposta final e definitiva:

“Veja, é isso aqui: quando o pensamento passado acaba e o futuro ainda não começou, não há um intervalo?”

“Sim”, disse Apa Pant.

“Pois é, prolongue-o: isso é meditação”.

DANDO UM TEMPO

As pessoas perguntam sempre: “Por quanto tempo devo meditar? E quando? Devo praticar vinte minutos pela manhã e à noite, ou é melhor fazer várias sessões curtas, ao longo do dia?” Sim, é bom meditar durante vinte minutos, mas isso não significa que vinte minutos é o limite. Nunca li nada sobre vinte minutos nas escrituras; acho que essa é uma noção de tempo que foi inventada no Ocidente, e costumo chamá-la de “Tempo-Padrão Ocidental de Meditação”. A questão não é por quanto tempo você vai meditar, a questão é saber se a meditação de fato lhe traz certo estado de presença mental em que você está um pouco aberto e pode entrar em contato com a essência do seu coração. E cinco minutos de prática sentado, plenamente consciente, têm valor muito maior do que vinte minutos de cochilo!

Dudjom Rinpoche dizia que um iniciante devia praticar em sessões curtas. Praticar por quatro ou cinco minutos e então fazer uma pequena pausa de apenas um minuto. Durante a pausa deixar o método de lado, mas não abandonar o estado desperto de sua consciência. É curioso que às vezes, quando você está lutando para praticar corretamente, no exato momento em que descansa o método — se ainda está alerta e no presente — é que a meditação de fato acontece. Por isso a interrupção é parte tão importante da meditação quanto o sentar-se em si. Às vezes digo a alunos que estão tendo problemas com a prática para praticarem a interrupção e descansarem durante a meditação!(…)

“O LIVRO TIBETANO DO VIVER E DO MORRER” – Sogyal Rinpoche – Ed. Talento


Sobre Meditação Ajahn Chah

… Aquilo que “inspeciona” os vários elementos que surgem durante a meditação é ‘sati’, atenção plena… Sati é vida… Quando não temos sati, quando somos descuidados, é como se estivéssemos mortos… Sati é simplesmente a mente atenta… É a causa do surgimento do auto-conhecimento e da sabedoria…Mesmo quando não nos encontramos mais em samadhi, sati deveria estar sempre presente…

Acalmar a mente significa encontrar o equilíbrio correto. Se você tentar forçar a sua mente em demasia ela irá longe demais, se você não se esforçar o suficiente ela não irá chegar lá, ela perde o ponto de equilíbrio.

Normalmente a mente não está tranqüila, ela está se movendo o tempo todo, lhe falta força. Fortalecer a mente e fortalecer o corpo não é a mesma coisa. Para fortalecer o corpo necessitamos exercitá-lo mas para fortalecer a mente significa fazer com que ela fique em paz, que não fique pensando acerca disto ou daquilo. Para a maioria das pessoas a mente nunca esteve em paz, ela nunca teve a energia de samadhi, [1 ] por isso, devemos colocá-la dentro de limites. Sentamos em meditação, permanecendo com Aquele que sabe.

Se forçamos a nossa respiração para que seja muito longa ou muito curta, não estaremos em equilíbrio, a mente não ficará em paz. É o mesmo quando usamos uma máquina de costura com pedal pela primeira vez. Inicialmente praticamos somente com o pedal, de forma a ajustar nossa coordenação, antes que costuremos alguma coisa. Acompanhar a respiração é parecido. Nós não nos preocupamos se ela é longa ou curta, fraca ou forte, nós somente a observamos. Deixamos que seja como deve ser e acompanhamos a respiração natural.

Quando ela estiver equilibrada, tomamos a respiração como nosso objeto de meditação. Quando inspiramos, o começo da respiração está na ponta do nariz, o meio da respiração está no peito e o final da respiração está no abdômen. Esse é o caminho da respiração. Quando expiramos, o início da respiração está no abdômen, o meio no peito e o final na ponta do nariz. Simplesmente observamos o caminho da respiração na ponta do nariz, no peito e no abdômen e depois no abdômen, no peito e na ponta do nariz. Notamos esses três pontos de forma a fazer com que a mente fique estável, para conter a atividade mental de tal forma que a atenção plena e a autoconsciência possam surgir com facilidade.

Quando formos capazes de notar esses três pontos poderemos soltá-los e notar a inspiração e a expiração, concentrando exclusivamente na ponta do nariz ou no lábio superior, onde o ar toca quando entra e sai. Nós não precisamos seguir a respiração, simplesmente estabelecemos a atenção plena à nossa frente, na ponta do nariz e notamos a respiração nesse único ponto – entrando, saindo, entrando, saindo. Não há necessidade de pensar acerca de algo especial, agora, concentre-se nessa simples tarefa, mantendo continuamente a mente atenta. Não há nada mais a ser feito, somente inspirar e expirar.

Em pouco tempo a mente ficará tranqüila, a respiração mais sutil. A mente e o corpo se tornam leves. Esse é o estado correto para a tarefa da meditação.

Quando estamos sentados em meditação a mente se torna refinada, mas em qualquer estado em que ela se encontre devemos tentar ter consciência dele, conhecê-lo. A atividade mental está ali junto com a tranqüilidade. Existe vitakka. Vitakka é a ação de trazer a mente para o tema da contemplação. Se não existe muita atenção plena, não haverá muito vitakka. Então vicara, a contemplação em torno daquele tema, segue. Várias impressões mentais “mais fracas” podem surgir de tempos em tempos mas a nossa autoconsciência é o mais importante – não importa o que esteja acontecendo nós temos conhecimento dela continuamente. À medida que nos aprofundamos estamos constantemente conscientes do estado em que se encontra a nossa meditação, sabendo se a mente está ou não firmemente estabelecida. Dessa forma, ambos, a concentração e a atenção plena estarão presentes.

Ter uma mente tranqüila não quer dizer que nada está acontecendo, as impressões mentais continuam surgindo. Por exemplo, quando falamos sobre o primeiro nível de absorção, dizemos que ele possui cinco fatores. Juntamente com vitakka e vicara, piti (êxtase) surge com o tema da contemplação e depois sukha (felicidade). Essas quatro coisas estão todas juntas na mente que se firmou na tranqüilidade. Elas são como um estado único.

O quinto fator é ekaggata ou unificação da mente em um só ponto. Você deve estar perguntando a si mesmo como pode haver a unificação quando também existem esses outros fatores. Isso ocorre porque eles ficam todos unificados com base na tranqüilidade. Juntos eles são chamados de o estado de samadhi. Eles não são estados do cotidiano da mente, eles são fatores de absorção. Existem essas cinco características mas elas não perturbam a tranqüilidade básica. Existe vitakka, mas ela não perturba a mente; vicara, êxtase e felicidade surgem mas não perturbam a mente. Portanto, a mente e esses fatores estão como se fossem uma coisa só. Assim é o primeiro nível de absorção.

Nós não precisamos chamá-lo de Primeiro Jhana, [2] Segundo Jhana, Terceiro Jhana e assim por diante, vamos chamá-lo simplesmente de ”uma mente tranqüila”. Conforme a mente vai progressivamente se acalmando, ela irá dispensar vitakka e vicara, restando somente êxtase e felicidade. Porque a mente descarta vitakka e vicara? A razão é porque a mente vai se tornando mais refinada e a atividade de vitakka e vicara é muito grosseira para que possa permanecer. Neste estágio, quando a mente abandona vitakka e vicara, sentimentos de intenso êxtase podem surgir, lágrimas podem aflorar. Mas conforme o samadhi se aprofunda, o êxtase também é descartado, ficando somente a felicidade e a unificação da mente em um só ponto até que finalmente, mesmo a felicidade se vai e a mente atinge o ponto mais elevado de refinamento. Existe apenas equanimidade e unificação da mente em um só ponto, todo o demais foi deixado para trás. A mente permanece imóvel.

Uma vez que a mente esteja tranqüila tudo isso pode acontecer. Você não precisa pensar muito a respeito disso, isso acontece por si mesmo. A isto se chama de a energia de uma mente tranqüila. Nesse estado, a mente não está sonolenta; os cinco obstáculos, desejo sensual, aversão, inquietação, torpor e dúvida, foram todos embora.

Mas se a energia mental não for forte o suficiente e a atenção plena for fraca, ocasionalmente surgirão impressões mentais intrusas. A mente está tranqüila mas é como se houvesse uma “névoa” dentro dessa tranqüilidade. Não é um tipo de sonolência comum no entanto, algumas impressões irão se manifestar – talvez ouçamos um som ou vejamos um cachorro ou outra coisa. Não está absolutamente claro mas também não é um sonho. Isto ocorre porque os cinco fatores se tornaram desequilibrados e fracos.

A mente tem a tendência de nos pregar peças nesses níveis de tranqüilidade. “Imagens” podem surgir certas vezes quando a mente está nesse estado, através de qualquer um dos sentidos e o meditador poderá não ser capaz de identificar o que exatamente está acontecendo. “Estou dormindo? Não. É um sonho? Não, não é um sonho…” Essas impressões surgem a partir de um tipo de tranqüilidade média; mas se a mente estiver verdadeiramente tranqüila e cristalina não teremos dúvidas acerca das várias impressões mentais ou imagens que surgirem. Questões como, “Eu fiquei à deriva? Eu estava dormindo? Eu me perdi? ” não surgem pois elas são a característica de uma mente que ainda duvida. “Estou dormindo ou acordado?”…Aqui está confuso! Essa é a mente que está ficando perdida nos seus humores. É como a lua se escondendo atrás de uma nuvem. Você ainda pode ver a lua mas as nuvens que a cobrem fazem com que ela não possa ser vista com clareza. Não é como a lua que surgiu por detrás das nuvens – clara, bem definida e brilhante.

Quando a mente está tranqüila e com a atenção plena firmemente estabelecida, não haverá dúvida em relação aos vários fenômenos que encontramos. A mente terá verdadeiramente superado os obstáculos. Conheceremos com clareza, como na verdade é, tudo aquilo que surgir na mente. Não teremos dúvida porque a mente está clara e luminosa. A mente que alcança o samadhi é assim.

No entanto, algumas pessoas têm dificuldade de entrar em samadhi porque este não convém às suas inclinações. O samadhi existe mas não é forte ou firme. Mas a pessoa pode alcançar a paz através da sabedoria, contemplando e vendo a verdade das coisas, solucionando os problemas por esse caminho. Isto é a utilização da sabedoria ao invés do poder de samadhi. Para alcançar a tranqüilidade na prática, não é necessário sentar em meditação. Somente pergunte a si mesmo, “Ei, o que é isso?…” e solucione o seu problema exatamente nesse momento! Assim é uma pessoa sábia. Talvez ela realmente não consiga atingir níveis elevados de samadhi, embora ela desenvolva algo, o suficiente para cultivar a sabedoria. É a diferença entre cultivar arroz e cultivar milho. A pessoa pode depender mais de arroz do que milho para o seu sustento. A nossa prática pode ser assim, dependemos mais da sabedoria para solucionar os problemas. Quando vemos a verdade, a paz surge.

As duas formas não são iguais. Algumas pessoas possuem insight e sólida sabedoria mas não possuem muito samadhi. Quando elas sentam para meditar elas não ficam muito tranquilas. Elas tendem a pensar muito, contemplando isso ou aquilo até que finalmente elas contemplam a felicidade e o sofrimento e enxergam neles a verdade. Algumas se inclinam mais para isso do que samadhi. Quer seja em pé, caminhando, sentado ou deitado, [3] a iluminação do Dhamma poderá ocorrer. Vendo e abandonando, elas alcançam a paz. Elas alcançam a paz conhecendo a verdade sem ter qualquer dúvida, porque elas a viram por si mesmas.

Outras pessoas possuem somente pouca sabedoria mas o seu samadhi é bastante sólido. Elas podem entrar em profundo samadhi rapidamente, mas não tendo muita sabedoria, elas não conseguem agarrar as suas impurezas, elas não as conhecem. Elas não conseguem resolver os seus problemas.

Mas independentemente da abordagem que usemos, precisamos eliminar a maneira incorreta de pensar, deixando ficar somente o Entendimento Correto. Precisamos eliminar a confusão, deixando somente a paz. De ambas maneiras chegaremos ao mesmo lugar. Existem esses dois aspectos da prática, mas essas duas coisas, tranqüilidade e insight, caminham juntas. Não podemos eliminar nenhuma delas. Elas precisam ir juntas.

Aquilo que “inspeciona” os vários fatores que surgem na meditação é ‘sati’, atenção plena. Sati é uma condição que, através da prática, pode auxiliar outros fatores a surgirem. Sati é vida. Sempre que não tivermos sati, quando formos desatentos, é como se estivéssemos mortos. Se não temos sati, então o que falamos e fazemos não possui nenhum significado. Sati é simplesmente recordação. É a causa do surgimento da autoconsciência e sabedoria. Quaisquer virtudes que tenhamos cultivado serão imperfeitas se lhes faltar sati. Sati é o que nos observa quando estamos em pé, caminhando, sentados e deitados. Mesmo quando não estamos mais em samadhi, sati deveria estar sempre presente.

Tomamos cuidado com qualquer coisa que façamos. Uma sensação de vergonha [4] irá surgir. Ficaremos envergonhados das coisas que fazemos e que não são corretas. Conforme a vergonha aumenta, o nosso auto controle também aumenta, quando o nosso autocontrole aumenta a desatenção irá desaparecer. Mesmo que não sentemos em meditação, esses fatores estarão presentes na mente.

E isto surge devido ao fato de cultivarmos sati. Desenvolva sati! Esse é o dhamma que inspeciona o trabalho que estamos fazendo ou que fizemos no passado. Ele tem utilidade. Devemos nos conhecer o tempo todo. Se nos conhecermos dessa forma, o certo irá se distinguir do errado, o caminho irá se tornar claro e o motivo para toda a vergonha irá se dissolver. A sabedoria irá surgir.

Podemos resumir toda a prática em virtude, concentração e sabedoria. Ter autocontrole, isso é virtude. O firme estabelecimento da mente dentro desse controle é concentração. Para completar, o conhecimento amplo dentro da atividade na qual estamos engajados é sabedoria. A prática, em resumo, é apenas virtude, concentração e sabedoria ou em outras palavras, o caminho. Não existe outra alternativa.

Notas:

1. Samadhi é o estado de tranqüilidade com concentração que resulta da prática de meditação.

2. Jhana é um estado avançado de concentração ou samadhi, em que a mente fica absorvida pelo seu objeto de meditação. Ele está dividido em quatro níveis, cada um progressivamente mais refinado que os anteriores.

3. Isto é, todo o tempo, em todas atividades.

4. Esta é uma “vergonha” que tem como base o conhecimento da lei de causa e efeito, ao invés do mero sentimento de culpa.

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