Idealistas, materialistas, educação e amor

Esse trecho de um livro de Krishnamurti é belíssimo

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O penar atinge a todos nós, idealistas e materialistas. O idealismo é uma fuga do que é, e o materialismo é uma outra maneira de negar as profundezas insondáveis do presente. Tanto o idealista como o materialista têm suas maneiras próprias de evitar o complexo problema do sofrimento; um e outro estão dominados por suas próprias ânsias, ambições e conflitos, e seu modo de vida não conduz à tranqüilidade. São ambos responsáveis pela confusão e pelas misérias do mundo. Ora, quando nos achamos em estado de conflito, de sofrimento, não há compreensão; nesse estado, nossa ação, por mais hábil e desveladamente que seja concebida, só pode levar a maior confusão e maior sofrimento. Para compreendermos o conflito e, por conseguinte, livrar-nos dele, é necessária uma percepção lúcida dos movimentos da mente consciente e inconsciente. Não há idealismo nem sistema ou padrão de espécie alguma que possa ajudar-nos a deslindar os profundos movimentos da mente; pelo contrário, qualquer formulação ou conclusão só impedira seu descobrimento. O esforço para alcançar o que “deveria ser”, a aderência a princípios e ideais, a determinação de um alvo — tudo isso leva a numerosas ilusões. Se queremos conhecer-nos, necessitamos de certa espontaneidade, certa liberdade para observar, e tal não é possível quando a mente está encerrada nos valores superficiais, idealistas ou materialistas. Existência significa relações; e quer pertençamos ou não a uma religião organizada, quer sejamos mundanos ou estejamos presos na armadilha dos ideais, só podemos superar o sofrimento pela compreensão de nós mesmos nas relações. Apenas o autoconhecimento pode trazer a tranqüilidade e a felicidade ao homem, porque o autoconhecimento é o começo da inteligência e da integração. A inteligência não é mero ajustamento superficial; nem cultivo da mente, aquisição de saber. Inteligência é a capacidade de compreender as coisas da vida, é a percepção dos valores corretos. A educação moderna, desenvolvendo o intelecto, ministra teorias e mais teorias, fatos e mais fatos, mas não nos faz compreender o processo total da existência humana. Somos altamente intelectuais; desenvolvemos mentes astuciosas, e vivemos num emaranhado de explicações. O intelecto se satisfaz com teorias e explicações, a inteligência não; e para a compreensão do processo total da existência, é necessária uma integração da mente e do coração no agir. A inteligência não está separada do amor. Para a maioria de nós é extremamente difícil realizar esta revolução interior. Sabemos meditar, sabemos tocar piano, escrever, mas não temos conhecimento algum daquele que medita, que toca, que escreve. Não somos criadores, porque enchemos de saber, de erudição e de arrogância nossos corações e nossas mentes; estamos cheios de citações do que outros pensaram e disseram. Mas o experimentar vem em primeiro lugar, e não a maneira de experimentar. É necessário que haja amor, para que possa haver a expressão do amor. Está claro, pois, que do mero cultivo do intelecto, isto é, do desenvolvimento das aptidões e conhecimentos, não resulta inteligência. Há distinção entre intelecto e inteligência. Intelecto é o pensamento funcionando independente da emoção, e inteligência é a capacidade de sentir e raciocinar; e enquanto não apreciarmos a vida com inteligência, e não apenas com o intelecto ou só com o sentimento, nenhum sistema político ou educativo do mundo nos salvará do caos e da destruição. A erudição não é comparável à inteligência, erudição não é sabedoria. A sabedoria não é comerciável, não é artigo adquirível pelo preço do estudo e da disciplina. Ela não se encontra nos livros; não pode ser acumulada, guardada ou armazenada na memória. Vem a sabedoria com a negação do “eu”. Ter a mente aberta importa mais do que aprender; e podemos ter a mente aberta, não quando a abarrotamos de conhecimentos, mas ao estarmos cônscios dos nossos próprios pensamentos e sentimentos, ao observarmos com cuidado a nós mesmos e as influências em derredor, ao ouvirmos a outrem, ao contemplarmos o rico e o pobre, o poderoso e o humilde. Não se adquire sabedoria mediante o temor e a opressão, mas só pelo exame e pela compreensão dos incidentes de cada dia nas relações humanas.

(Krishnamurti em A educação e o significado da vida)

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