Extraído do livro “A Dança do Vazio”, de Adyashanti
E se você desapegasse de cada pedacinho de controle, de cada desejo – desde o mais infinitesimal desejo de controlar alguma coisa, algum lugar, inclusive alguma coisa que pode estar acontecendo com você neste momento? Imagine que você fosse capaz de desistir desse controle em todos os níveis, de modo total e absoluto. Se você fosse capaz de desistir desse controle de modo total, absoluto e completo, você seria então um ser espiritualmente livre.
Muitas pessoas dizem que quando se analisa a estrutura emocional do homem no seu nível mais profundo, descobre-se que a emoção primária que mantém os seres humanos separados é o medo. Não acho que isso seja verdade. Acho que a questão central que mantém os seres humanos experienciando a si mesmos como sendo separados é o desejo e a vontade de controlar. O medo surge quando você acha que não tem o controle. Ou você fica com medo quando percebe que não tem o controle, mas ainda não desiste do desejo de controle.
Quando falo de controle, falo de tudo. O tipo mais óbvio de controle ocorre quando os seres humanos tentam controlar um ao outro. Se você pensar em alguma conversa específica que teve hoje com alguém é bem provável que você encontre nessa conversa algum elemento desse tentar controlar. Você tentou controlar a mente de alguém para que ele ou ela pudesse entender você, concordar com você, ouvir você, gostar de você. Isso pode não ser verdade para todas as conversas e pessoas, mas provavelmente para algumas é.
Estou falando de tudo, desde as formas mais óbvias de controle e poder até as formas mais sutis de controle. É nestas formas mais sutis de controle que tentamos mudar a nossa experiência do aqui e agora. Uma das perguntas mais comuns que me fazem é mais ou menos assim: “Adya, aconteceu comigo essa coisa de despertar espiritual, pelo menos é o que eu acho, e apesar disso ter acontecido, sinto que ainda não aconteceu de modo total e completo. Realmente não sinto que estou totalmente livre. Posso realmente ter despertado para o que eu sou e quem eu sou – isso é muito bonito e profundo, mas alguma coisa ainda não se completou totalmente.” A pergunta seguinte é: “O que eu faço?”. Eu nunca vi um único caso de alguém que esteja nessa situação que não seja alguém lidando essencialmente com a questão do controle. Nenhum caso, porque todo mundo vive lidando com a condição do controle, a menos que a pessoa esteja totalmente livre do desejo de controle.
De maneira muito simplista, a diferença que existe entre essas pessoas que tiveram algum tipo de despertar espiritual, intenso e profundo para a sua verdadeira natureza, e aquelas que estão verdadeiramente livres e libertas é uma questão muito simples: aquelas que estão livres e libertas desapegaram do controle de modo total e absoluto. Isto é verdade, porque quando você desapega do controle, não há como você não estar livre e liberto. É como pular de um prédio. Não há como não despencar, a gravidade puxa você naquela direção. Se você desapega do controle totalmente, você acaba vivendo em plena autorrealização.
Em sua forma mais elementar, o desejo de controle se faz sentir como se houvesse uma mão fechada dentro da sua barriga. O que você encontra depois de ter passado por todos os diferentes caminhos para controlar a experiência é esse punho fechado subjacente. E quando você chega próximo desse punho fechado, você descobre que ele tem um protetor. O protetor do nosso sentido de controle subjacente é a raiva. Geralmente essa raiva é mais destrutiva do que qualquer sentimento que você algum dia quis admitir que pudesse existir dentro de você. Ela é decididamente a protetora do controle. Se você algum dia estiver perto de alguém irado, fique longe dessa pessoa, a menos que você seja estúpido. Você pode ser atraído para muitas outras coisas: para alguém cuja viagem é o vitimismo ou a depressão, ou talvez alguém que seja um agressor ou que tenha outros padrões. As pessoas podem ser atraídas para um apego ou enredamento com todos os tipos de padrões emocionais, mas pouquíssimas estão realmente confortáveis com isso ou acham importante serem atraídas como uma mariposa para o fogo da raiva. Nesse sentido, a raiva é uma boa protetora. Ela faz o seu trabalho de forma muito eficaz.
Muitas pessoas nunca chegam à própria raiva porque logo acima dela existe o medo. O medo geralmente funciona. Muitas pessoas que estão com muito medo fogem. Mas as poucas que passam pelo próprio medo saem dele sentindo que por baixo desse medo existe algo aparente e terrivelmente destruidor. E se você consegue continuar atravessando esse furacão, você descobre que existe um controle existencial, geralmente na boca do estômago, que pode sobreviver inclusive aos tipos mais profundos de despertar espiritual. O medo pode ou não sobreviver; a raiva pode ou não sobreviver. Muitas vezes, eles não sobrevivem. Mas o controle às vezes sobrevive de fato na sua forma mais elementar.
Por isso sugeri que você imaginasse como seria se você estivesse totalmente sem qualquer movimento de controle dentro de você, sem qualquer desejo de controlar, sem quaisquer idéias para controlar, fosse num nível muito óbvio ou no nível mais profundo da sua própria experiência. Imagine como seria se o desejo de controlar estivesse completamente ausente do seu sistema.
Esse desejo de controlar é, em última análise, a nossa relutância em estarmos totalmente despertos. Há uma historinha maravilhosa contada por Anthony de Mello. Ele era um padre jesuíta, espiritualmente desperto, que fazia palestras e escrevia livros e que morreu nos anos oitenta. Ele conta a história de uma mãe batendo na porta do quarto do filho, dizendo:
“Johnny, você tem que acordar. Está na hora de ir para a escola.”
Johnny responde: “Eu não quero acordar.”
A mãe repete: “Johnny, você tem que acordar!”
“Eu estou acordado!”
“Johnny, você tem que levantar, sair da cama e ir para a escola!”
“Eu não quero sair da cama.”
Isso soa familiar?
“Eu não quero ir para a escola. Estou cansado da escola. Por que eu teria que ir para a escola?”
A mãe responde: “Eu vou lhe dar três motivos pelos quais você tem que ir para a escola. Número um: porque é hora de ir para a escola. Número dois: porque existe uma escola inteira e repleta de alunos que dependem de você. E número três: porque você tem 40 anos e é o diretor da escola”.
Isso é parecido com muitos seres humanos que tiveram um despertar muito profundo. É como se o despertador tivesse tocado e você tivesse parado de idealizar o seu eu ilusório em constante existência, e você soubesse decididamente que você é espírito puro. Você já experimentou isso. Você é como esse diretor, deitado na cama quando é hora de ir para a escola. Você está acordado, mas ainda não concordou totalmente com o fato de estar acordado. Você não desistiu do controle. Você quer ficar na cama, mas tudo está chamando você lá fora. A vida está chamando você lá fora, e o último pedacinho de controle que lhe resta é apenas dizer: “Não. Lá fora é assustador. Eu não sei se eu quero sair por aquela porta. Lá fora é uma vida totalmente nova. É uma maneira totalmente diferente de ser. Eu acordei, mas não tenho certeza se eu realmente quero estar completamente acordado. Eu achava que eu podia só acordar e depois ainda ficar na cama.”
É engraçado que quando as pessoas efetivamente chegam a esse lugar especial da sua evolução espiritual, quando elas passam por um despertar profundo, e apesar de estarem lidando realmente com a questão essencial do controle, muitas vezes elas perguntam: “Você acha que eu deveria ir a algum lugar, algum mosteiro? Eu queria poder ficar em retiro para sempre. Você acha que é uma boa idéia?” E eu sempre digo que não. É como aquele diretor da escola dizendo: “Não seria melhor ficar na cama pelos próximos 20 anos?” Isso vai resolver o seu problema? Absolutamente não! Você tem que se levantar e sair. E você vai ter que abrir mão do controle para fazer isso.
Esse é um movimento muito intenso e muito profundo. É realmente uma mutação no âmago do seu eu interior. Não é necessariamente uma revelação, um resultado espiritual ou uma realização. É uma mutação fundamental na maneira que nós existimos, para vivermos livres da vontade de controlar. Quando você chega ao núcleo do controle, é muito provável que você sinta como se você fosse morrer. A maioria das pessoas sente isso porque, em certo sentido, você vai morrer. Fazer a vida tornar-se, de modo súbito e total, não relacionada ao controle, inclusive no nível mais fundamental, é a morte. Para a maioria de nós, toda a nossa vida tornou-se relacionada ao controle quando tínhamos cerca de um ano de idade. Você pode ver crianças mesmo com dois anos de idade tentando controlar a mãe, ordenando e manipulando a mamãe e o papai. Isso começa muito cedo, essa vontade de controlar, este tipo de sentido biológico que eu vou sobreviver se eu puder controlar.
Esta é realmente uma transformação fundamental. É por isso que eu digo que podemos ter uma percepção muito forte e profunda da verdade e, no fim de tudo, a verdadeira e definitiva liberdade não acontecer necessariamente através de uma percepção. Ela acontece através de uma rendição profunda no lugar mais profundo do nosso ser. Claro, a maioria das pessoas vai precisar de uma profunda percepção de sua verdadeira natureza, a fim de poder entregar-se de forma natural e espontânea. Mas essa percepção completa a si mesma com a liberação cega e imprevisível do controle. Claro que a pergunta que as pessoas me fazem sobre esse ponto é: “E agora, como eu faço?” E tudo que eu posso dizer é que essa pergunta é o seu próprio controle. É o controle tentando fazer o seu trabalho. Perguntar “como?” está sempre relacionado ao controle. Pode até ser útil às vezes usar um “como?”. Mas, em última análise, o “como?” está relacionado ao controle. Não existe “como?”. Apenas desapegue-se.
ADYASHANTI. Emptiness dancing, pp. 149-161, Sounds True, Inc., Canada: 2006, tradução Roberto Carlos de Paula. Texto selecionado para estudo em Loja realizado em 20.08.13.