Feliz é aquele que é ninguém

O homem anseia por ser alguma coisa, qualquer coisa que ele respeite, e isso confere-lhe posição na sociedade. Conferimos toda a sorte de categorias a um indivíduo – inteligente, rico, santo, médico etc. Todavia, se não for capaz de se encaixar numa categoria qualquer, que possa ser reconhecida pela sociedade, ele tornar-se-á uma pessoa estranha. Não podemos presumir ser dignos nem cultivar a dignidade. Ter consciência da dignidade própria é ter consciência de nós, e isso é insignificante e mesquinho. Não ser ninguém implica até mesmo que se seja livre dessa ideia.

A verdadeira dignidade não consiste em nenhuma forma particular nem estado, mas na existência. Essa dignidade não nos pode ser tirada; só pode prevalecer.

A verdadeira consciência está em permitirmos o livre curso da vida, sem deixar nenhum resíduo. Mas a mente humana assemelha-se a uma peneira que retém certas coisas e deixa passar outras; aquilo que ela retém constitui a medida dos seus desejos, mas os desejos – conquanto profundos amplos ou nobres, são sempre estreitos e mesquinhos, porque o desejo é coisa da mente.

A consciência indivisa sobrevém se fizermos uso da plena liberdade para fluirmos sem restrições nem escolhas, e não a retivermos. Estamos sempre a reter impressões, a escolher as coisas que possuem significado e a apoiar-nos perpetuamente nelas. A isto chamamos nós experiência, e depois pensamos que a multiplicidade de experiências constitua a riqueza da vida. Mas a riqueza da vida reside na liberdade do acúmulo de experiências.

A experiência que prevalece ou é retida impede esse estado isento do conhecido. O conhecido não constitui esse tesouro mas a mente agarra-se a ele e desse modo destrói e profana o desconhecido.

A vida é uma coisa estranha. Feliz é aquele que é ninguém!

Somos, na grande maioria, criaturas detentoras de uma profusão de humores, e poucos são os que escapam a isso. Com alguns isso deve-se a uma qualquer razão orgânica ao passo que com os outros se trata já de um estado mental. Apreciamos este estado de altos e baixos e achamos que tal estado de variação de humores faça parte da existência, ou então vagamos á deriva, entre um ou outro estado de espirito. E são poucos os que se não deixam prender neste movimento e conseguem ver-se livres dos tormentos do vir a ser, de modo a possuírem firmeza e sentido de constância interior – o que não decorre da vontade mas duma segurança que não pode ser cultivada. Não a segurança que nasce da concentração do interesse nem tampouco o produto de qualquer dessas atividades. Isso sobrevém somente quando a ação da vontade cessa.

O dinheiro corrompe as pessoas. Depois há a estranha arrogância dos ricos. À excepção de alguns casos, em todas as nações os ricos possuem essa aura de quem tudo pode virar a seu favor; parecem até capazes de comprar os deuses. E a riqueza não lhes sobrevém somente das posses mas também da capacidade de fazer coisas. O “ser capaz” confere ao homem uma estranha sensação de liberdade e fá-lo sentir-se diferente e superior aos outros. Tudo isso lhe dá essa sensação de superioridade de modo que se recosta e olha os outros a retorcer-se, sem ter consciência da sua própria ignorância nem da ignorância da sua própria mente.

Tanto o dinheiro como a capacidade oferecem-nos um bom escape para a ignorância do eu; afinal todo o escape, toda a fuga constituem uma forma de resistência, e geram os seus próprios problemas. A vida é uma coisa estranha. Feliz é aquele que é ninguém!

Jiddu Krishnamurti

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