O encontro de Confúcio e Lao Tsé

Lao Tsé, sábio ilustre, morava às margens do Rio Lo. Sua doutrina, “Tao to tsing”( Laço das Virtudes e do Método),

Parecia estranha e era incompreendida pelo povo. Por esta razão, o soberano do Estado de Lu decidiu solicitar o concurso de Confúcio, que deveria procurar “o Velho”(assim era o apelido que tinha, devido ao fato de seus cabelos serem brancos desde a juventude) e dele receber conselhos e, se possível, alguns dos segredos que tornavam mais poderosos os membros da dinastia Chou.

Li Tan, nome verdadeiro de Lao Tsé, abandonara a convivência dos homens havia muito tempo e refugiara-se nas montanhas, vivendo em solidão. Tinha na ocasião cerca de setenta anos de idade e morava numa choupana de madeira nas proximidades do Rio Lo.

Levando presentes e companheiros, Confúcio, depois de longa viagem, chegou ao bosque em que residia “o Velho”.

Para maior fidelidade, transcreve-se aqui a íntegra de uma das versões da entrevista. Todas têm o mesmo sentido embora nem todas usem as mesmas palavras.

Confúcio: – Meus olhos estão turvos e não posso confiar-me neles. Vejo-te como uma árvore seca, abandonada de todos e a viver solitária”.

Lao Tsé: – “Sim; abandono meu corpo enquanto viajo sem parar pelas origens das coisas. Mas que desejas?”.

Confúcio:- “Venho em busca de uma doutrina que possa melhorar a sorte dos seres humanos; um método para instruí-los e transformá-los.

“” O Velho”sorriu e adjuntou:

Os animais que se alimentam de ervas procuram por acaso melhorá-las? Os seres que vivem na água se preocupam em que ela seja melhor? E falas-me em melhorar os seres humanos.

“- Eles sofrem e eu queria fazê-los felizes.

“- “Se a alegria e os pesares, se o descontentamento e a satisfação não perturbassem o espírito dos homens, estes se pareceriam então com o universo. A fronteira entre a felicidade e a desgraça desapareceria. Quando os homens compreenderem que o seu bem maior é serem semelhantes a todos os outros seres vivos serão felizes e não poderão perder esse bem : transformar-se-ão sem procurar fixar-se.”

Confúcio objetou :

-“Por tua virtude, unirias Céu e Terra. Mas a palavra, pela qual se modifica o espírito, e a nós transmitida pelos sábios antigos, é possível despojar-nos dela?.

“Quando se trata do homem, com efeito, há que considerar que sua carne e seus ossos perecerão e se dissolverão, ao passo que suas palavras podem ser transmitidas enquanto existirem seres humanos.

“Lao Tsë refletiu e continuou :

“-Mas sem desembaraçar-nos da palavra, basta praticar o Não-Agir para que nossos verdadeiros talentos por si mesmos se revelem. Se o homem jamais procurasse modificar as coisas, estas não se alterariam por si mesmas; a terra é compacta por sua própria natureza; o sol e a lua, que brilham por si, pretendes modificá-los também?

Ë acrescentou :

– “Para conservar-se branca, a cegonha não precisa lavar-se;

nem o corvo, tingir se de negro. Por que os homens teriam necessidade de estudar e inventar para penosamente modificar-se? De que lhes serviria isto? . Seria o mesmo que tocar o tambor para fazer ressuscitar um carneiro.

“Lao Tsé mudou o assunto e perguntou a Confúcio quais as tradições que estudara.

Respondendo que havia dedicado horas ao estudo de “ I tsing “ e o “Laço das Mutações”, que ancestrais sagrados haviam estudado, Lao Tsé afirmou:

“Esses princípios são a Eqüidade e a Reciprocidade, admiráveis regras sem dúvida.

“_ “Certo. Em minha opinião, porém, esses princípios, não são admiráveis. Do mesmo modo que os mosquitos, que durante a noite não nos deixam dormir e nos picam, Eqüidade e Reciprocidade não servem senão para conturbar e irritar o coração do homem. Com esses princípios, transtorna-se o caráter do povo, eis tudo. Não se mudará em nada o seu infortúnio.

“Indagou, Lao Tsé, se Confúcio havia elaborado alguma doutrina e este declarou :

– “Desde os vinte e sete anos estou em busca de uma e ainda a não encontrei.

” O Velho “ disse então :

– “Vou dar-te quatro que são universalmente seguidas. A primeira : deixar-se tomar, e os homens deixam tomar-se; é a doutrina que os senhores ensinam. A segunda ordena deixar-se importunar e todos os homens deixam importunar-se; é a doutrina ensinada pela família. A terceira manda acusar-se mutuamente e brigar uns com os outros, e todos os homens acusam-se uns aos outros; é a doutrina da fraternidade. Finalmente, a quarta determina trabalhar sem proveito para transmitir uma instrução vã e transmite a instrução; é a doutrina dos letrados. Não se pode delas escapar nem encontrar outras.

“- “Apesar disto, os sábios elaboraram doutrinas e tu mesmo”…

Interrompeu-lo Lao Tsé :

-“Quando um Sábio chega ao momento de triunfar, ele trinfa. Até que le surja a ocasião, permanece sem influência. Da mesma maneira que a melhor semente, quando ainda não germinou, fica escondida debaixo da terra que parece nua.

“Levantando-se cortesmente para acompanhar o visitante, “o Velho” finalizou :

“- Sempre ouço dizer que as pessoas ricas ou poderosas ao despedir-se dos hóspedes lhes oferecem objetos de valor; aquelas que têm apenas ciência proferem palavras preciosas. Não sou rico nem poderoso e roubaria o renome de sábio. Não obstante, posso dizer-te isto : os homens inteligentes, os dotados de visão profunda das coisas, e mesmo aqueles que se avizinham do fim da vida gostam de criticar tudo e todos. Desse modo, porém, colocam em perigo o próprio corpo e atraem sobre si o ócio dos demais. Nada ganha o Sábio que se mistura no meio dos homens, mas pode tudo perder o ministro que o faz.

“Confúcio despediu-se e partiu para Lu, na manhã seguinte e durante três dias não disse palavra. Intrigado com o prolongado silêncio cheio de meditação, um discípulo dirigiu-se com perguntas ao Mestre. E ele reportou :

– “Acabo de ver um homem que alça a grandes alturas os seus pensamentos, que mais se assemelham ao voar de pássaros no azul. De minha parte, gosto de lançar os meus, um a um, como dardos de alabarda, sem errar jamais o alvo. Gosto que meus pensamentos fiéis sigam um caminho sempre rasteado e alcancem sempre a presa. Acabo de ver um homem cujas idéias são tão misteriosas e inacessíveis como um abismo. Gosto que minhas idéias possam ser pescadas na ponta de uma linha e satisfaçam. Dos pássaros, sei que podem voar: é o que os distingue. Os peixes, sei, podem nadar; os quadrúpedes , galopar. Mas, sei também que posso pegar com uma armadilha o que galopa; com rede o que nada e, com flechas, o que voa. Com referência aos dragões, se eles voam com a tempestade ou cavalgam as nuvens na imensa pureza do céu. Vi Lao Tsé como quem contempla um dragão. O queixo caiu-me e não pude respirar. Meu espírito, extraviado, não sabia onde pousar.

Assim finaliza o episodio do encontro de Confúcio e Lao Tsé.

(Segundo Chen Sien Tchoan )

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