Num dia olhei e ele não estava mais lá. Mesmo se livrar de algo desagradável causa uma sensação de estranheza. Tem algo errado comigo? Não paramos de achar que tem algo de errado conosco. Talvez o que está errado é o pensar tanto em si mesmo, somos obcecados com o eu mesmo, meu corpo, meus amores, minhas coisas, minhas plantas e entramos em conflito porque sabemos que não somos donos de nada.
Músicas, filmes, livros, nada mais anseio disso tudo, nada espero que eles me deem ou me preencham, se fosse a um psiquiatra talvez ele diria que estou um pouco deprimido, meio sem emoções fortes, mas como poderia estar deprimido e em paz? Se ouço uma música bonita até canto e danço, posso chorar talvez, mas se ela acabar então acabou, não vou pedir para a Alexa repetir. Me distrair mais de que? Se retorno para essa sensação de paz, de vazio, por que iria em busca de algo?
Alguém diz: me explica aí o que é isso? Não sei explicar, como poderia colocar em palavras esse vazio que não me incomoda? Como descrever estar sem conflito? É como na história de Buda e Angulimala quando esse último fala:
… e chamou o Abençoado: “Pare, contemplativo! Pare, contemplativo!”
“Eu parei, Angulimala, pare você também.”
Nesse exato agora parei. Certamente voltarei a caminhar e parar, caminhar e parar de novo, não tem problema, mesmo o desagradável medo da morte pode voltar só que já conheço ele e vai ser como rever um velho conhecido que não vou com a cara, que vou fazer? Ele existe, deixe existir, pare.
E.