Sofrimento desnecessário

‘Existe o sofrimento que é necessário, e existe muito sofrimento que é absolutamente desnecessário. Todos nós nos causamos sofrimento desnecessário. Uma grande porcentagem que sentimos diariamente é de sofrimento extra. Não precisamos dele. Existe muito sofrimento criado para a vida humana; podemos somente esperar por ele. Não precisamos adicionar mais fazendo escolhas sem atenção que causam mais sofrimento. Não precisamos adicionar mais sofrimento ficando presos em nossas mentes apegadas ao passado e ao futuro, em seus problemas em potencial ou eventuais quedas.

Nós complicamos nossas vidas e somos cheios de desejos. Assim criamos mais sofrimento além do que realmente precisamos. Se eu decido realizar 15 tarefas importantes hoje e só consigo realizar 13 dessas tarefas então eu sofro, fico insatisfeito. Mas eu mesmo criei esse sofrimento! Por que não realizar só 10 ou 7? Se eu formo uma ideia sobre como meu dia ou minha vida deveria ser, e minha vida ou meu dia não sai como planejei, parece que tenho motivo para ser infeliz. Mas eu criei esse motivo por escolha própria. Existem muitos motivos para ser infeliz sem criar mais motivos. Talvez eu poderia somente prestar atenção ao sofrimento básico e atual que já surge, ao invés de criar mais sofrimento do que preciso. O sofrimento natural, o sofrimento atual, é difícil, mas é útil. O sofrimento extra é trivial: não leva a iluminação e evolução; só me deixa mais irritado.

No Zen temos koans para praticar, estórias de antigos mestres que ás vezes são difíceis de compreender. Podemos sofrer por causa dessas estórias; podemos nos tornar miseráveis se pensarmos que não conseguimos entender elas. Mas não precisamos disso para nos dar problemas artificiais. Já existem problemas reais que podem ter nossa atenção como as doenças, envelhecimento e morte; as nossas perdas. Quando o sofrimento real surge ele chama nossa atenção. Somos forçados a ir além da irritação. Se, diante do sofrimento, pudermos usar a prática e usar esse sofrimento para aumentar e fortalecer nossa motivação então podemos ter um benefício real desse sofrimento.

Meditação pode ajudar.

Quanto mais praticar mais consciência (atenção) é adquirida. Quanto mais atenção temos mais podemos perceber quando estamos criando sofrimento desnecessário e podemos decidir fazer algo diferente. Você pode ver isso claramente durante sua meditação sentada. Digamos que uma dor nas costas começa. Aí está – isso dói! E então você começa a se retorcer, começa a reclamar, talvez reclame sobre a culpa de outra pessoa pela sua existência e por ter esse corpo, ou reclame de você mesmo. Sua mente está soltando raiva por todos os lados. E isso faz a dor muito maior. Se você estiver disposto a permanecer sentado e experienciar a dor verá que nem é uma dor tão forte assim. Você pode suportar. Essa dor pode até desaparecer. Mas mesmo que não desapareça pela menos é o que é real. Há uma certa dignidade em suportar essas dores que surgem. É muito melhor que retorcer-se e reclamar e fazer a situação bem pior que realmente é. Você começa a perceber que quanto mais retorcer e tentar melhorar as coisas que não podem ser mudadas, pior fica. E quanto mais disposto a suportar o que não pode ser mudado, mais fácil fica.

O sofrimento falso e o sofrimento real

Quando paramos de criar sofrimento desnecessário podemos notar todo sofrimento real que nos cerca. Todo o sofrimento falso e desnecessário está na verdade nos distraindo, de certo modo está nos protegendo do sofrimento real que nos cerca. O sofrimento real é muito mais difícil de lidar. É muito doloroso. Mas nos conecta com todas as pessoas do planeta e nesse sentido é um sofrimento normal, natural. Nos tornamos entorpecidos e isolados porque queremos evitar o sofrimento, e é esse isolamento e entorpecimento que nos afeta mais. Quando nós deixamos de lado o sofrimento desnecessário e nos conectamos aos outros, é difícil e doloroso, mas também é melhor. Quando nos abrimos a dor real que os outros carregam, nos sentimos melhor.’

– Norman Fischer – Solid Ground.

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