“No budismo, o orgulho é considerado uma coisa tripla. Um aspecto envolve o pensamento arrogante de que somos melhores que os outros. Podemos ter orgulho de nossa aparência, riqueza, talentos, família ou raça, e sentir que somos de algum modo superiores aos outros. Todos esses aspectos do orgulho são autorreferenciais. Algumas pessoas com distúrbios psicológicos sentem-se mal a respeito de si mesmas; sentem-se inferiores e se odeiam. Mas ainda assim estão absortas em si mesmas. Não conseguem pensar em nada fora delas. Só querem falar de seus problemas, seus sentimentos e das coisas horríveis que aconteceram a elas. Qualquer conversa sobre os outros levam-nas às lágrimas. Querem voltar aos assuntos delas durante todo o tempo em que se está com elas. O orgulho surge não só de pensar que somos maravilhosos, mas também de pensar que somos medonhos. Todos esses aspectos do orgulho são expressões do ego.”
“Esse senso de orgulho sugerido no texto como uma questão de se sentir superior, inferior ou igual aponta para a mente comparadora. Qualquer comparação que façamos expressa dualidade entre nós e os outros. Assim que conhecemos alguém, em geral começamos a comparar. Mesmo quando pensamos: “Sou tão bom quanto você”, fizemos uma separação. Uma mente aberta e espaçosa não compara. Porém, se estamos em uma situação em que estamos sempre doando e doando, pode muito bem acontecer que, depois de um tempo, fiquemos como uma garrafa vazia. De modo que também precisamos nos reabastecer. No budismo, isso habitualmente é feito por meio da prática de meditação, com a qual nos reabastecemos a fim de termos condições de nos doarmos.”
“Observar nossos pensamentos sem julgar, olhar a qualidade de nossos pensamentos e sentimentos são coisas que podem realmente ajudar a nos tornarmos honestos conosco. Podemos ver o que aparece. À medida que progredimos em nossa prática espiritual, mais e mais tons sutis começam a surgir. Podemos ver que certas qualidades que havíamos considerado aceitáveis não são boas. Ou podemos descobrir, mergulhando abaixo da superfície, que certas qualidades que antes pareciam suspeitas na verdade são ótimas. De acordo com a psicologia budista, qualquer ação de corpo, fala e mente em que a intenção básica esteja manchada por qualquer veneno é negativa e vai resultar em carma insalubre. Não importa como justifiquemos essas ações para nós mesmos. Se nossa verdadeira motivação subjacente é baseada em nossa ignorância, desejo ou raiva, em nossa aversão, ciúme ou orgulho, o resultado será sempre nocivo. Mas se ficamos cientes — se sabemos o que realmente está acontecendo em nossa mente —, então somos capazes de reconhecer essas tendências positivas e negativas no momento em que surgem. Entretanto, na hora que ficamos conscientes de estar sentindo raiva, ganância ou ciúme, muitas vezes já fomos levados de roldão. Assim, quanto antes conseguirmos distinguir o que está surgindo em nossa mente, mais fácil fica para apenas aceitarmos e soltarmos. Nenhuma dessas qualidades negativas é arbitrária; são qualidades muito básicas, interconectadas, e sua existência provém dessa noção de eu, dessa noção de um ego autônomo existente por si, que é a nossa ignorância básica.”
“É óbvio que, uma vez que tenhamos esse senso de ego autônomo, separado, o desejo de gratificar o ego virá na sequência. Uma mente desejosa e gananciosa vai na direção de qualquer coisa que pareça prazerosa — pessoas, coisas, experiências, pensamentos. Mas às vezes nossos desejos são frustrados, e não temos condições de conseguir o que queremos. Ou as coisas nos parecem ameaçadoras e dolorosas, e isso cria aversão, raiva ou irritação por nosso desejo de prazer ter sido frustrado. O Buda disse que dukkha, a insatisfação, surge quando não conseguimos o que queremos ou recebemos o que não queremos. Quanto mais aguçado o insight sobre o que está realmente se passando na mente, mais percebemos que tudo que fazemos é polarizado entre atrair prazer e evitar dor.”
“Ficar aborrecido, criar mais raiva e aversão, apenas causa mais sofrimento para nós mesmos. Nossa raiva na verdade não fere os outros. Eles podem sentir-se tranquilos em sua complacência presunçosa. Eles ficam numa boa. Mas nós sofremos. Fazemos conosco aquilo que apenas nossos inimigos nos desejariam. Por que dar essa satisfação para eles? E a questão é essa: dependendo de nossa atitude, as situações são proveitosas ou não. Não é o que está acontecendo lá fora. É como lidamos com isso.”
“Na verdade, elogio e acusação são apenas palavras. Se alguém nos elogia, devemos olhar e ver se o elogio é válido ou não. Se é verdade, está bem. Porém, se não é, estão elogiando apenas uma projeção deles. De modo semelhante, se alguém nos acusa e insulta, devemos ver se o que está dizendo é verdade. Se é verdade, as pessoas que nos criticam de fato estão nos ajudando ao apontar falhas das quais podemos não estar conscientes. De modo que devemos nos sentir gratos. E, se não é verdade, qual o problema? A única ocasião em que seria considerado aceitável nos defendermos seria no caso de a difamação ou o insulto criar problemas reais, em especial para outras pessoas envolvidas. Por exemplo, se estamos trabalhando como integrante de uma organização e alguém espalha boatos falsos a nosso respeito, criando obstáculos ou causando danos, seria justo esclarecermos as coisas. Em geral não nos apressamos para corrigir os outros quando somos indevidamente elogiados além do que é realmente verdade. Mas somos rápidos em nossa guarda contra qualquer crítica! Vamos tratar de ficar felizes mesmo quando os outros falam mal de nós por causa da força de seu ciúme ou inveja. Vamos apenas relaxar.”
Trechos do livro de Jetsunma Tenzin Palmo chamado No Coração da Vida – Sabedoria e compaixão para o cotidiano