A: Sr. Krishnamurti, se me lembro corretamente, acho que começamos uma conversa juntos na última vez justamente no ponto em que a questão do medo surgiu, e eu acho que nós dois, talvez, pudéssemos explorar isso juntos um pouco.
K: Sim, eu acho que sim. Me pergunto como podemos abordar este problema, pois este é um problema comum no mundo. Todo mundo, ou, posso dizer, quase todo mundo, tem medo de algo. Pode ser medo da morte, medo da solidão, medo de não ser amado, medo de não se tornar famoso, bem-sucedido, e também medo de não ter segurança física, e o medo de não ter segurança psicológica. Há tantas múltiplas formas de medos. Agora, para realmente se entrar neste problema profundamente, pode a mente, que inclui o cérebro, se libertar realmente, fundamentalmente, do medo? Pois o medo, como eu tenho observado, é algo terrível.
A: Ah, sim.
K: Ele obscurece o mundo, ele destrói tudo. E eu não acho que podemos falar sobre o medo, que é um dos princípios na vida, sem também falar sobre a – ou ingressar na – busca por prazer. Os dois lados da mesma moeda.
A: Medo e prazer, dois lados da mesma moeda. Sim.
K: Então nós vamos primeiro pegar o medo. Há medos conscientes e inconscientes. Medos que são observáveis, que podem ser remediados, e medos que estão profundamente enraizados, fundo nos recessos da mente de cada um.
A: No nível inconsciente.
K: Nos níveis profundos. Ora, nós devemos nos preocupar com ambos, não somente com os medos externos óbvios, mas também com os medos profundamente arraigados. Os medos que foram herdados, os medos tradicionais.
A: Ter sido dito do que ter medo.
K: Do que ter medo, e também os medos que a própria mente produziu, cultivou.
A: Na história pessoal de cada um.
K: Pessoal e também em relação aos outros, medos da insegurança física, de perder o trabalho, de perder a posição, perder algo, e todo o positivo: não ter algo, e assim por diante. Então, se vamos discutir esta questão, como devemos, você e eu, abordá-la? Primeiro tome os externos, os medos físicos óbvios, e então a partir daí mova para os internos, e então cubra todo o campo, não somente um medo pequeno de uma velha senhora, ou de um velho senhor, ou de um jovem, tome todo o problema do medo.
A: Bom.
K: Não tome somente uma folha do medo, ou um galho dele, mas todo o movimento do medo.
A: Sim. Estamos novamente de volta àquela palavra “movimento”.
K: Movimento.
A: Bom, bom. O completo movimento do medo.
K: Agora, externamente, fisicamente, está se tornando óbvio que devemos ter segurança, segurança física. Quer dizer, comida, roupa e abrigo são absolutamente necessários. Não somente para os americanos, mas para toda a humanidade.
A: Sim, claro.
K: Não há sentido em dizer “Estamos seguros e que todo o resto do mundo vá para o inferno”. O mundo é você! E você é o mundo. Você não pode se isolar e dizer: “Eu estarei seguro” e não se importar com os outros.
A: Me tornar seguro contra eles.
K: Isso se torna uma divisão, conflito, guerra, tudo o que isso produz. Então, essa segurança física é necessária ao cérebro. O cérebro só pode funcionar, como tenho observado em mim mesmo, em outros – não que eu seja um especialista em cérebro, ou em neurologia e tudo isso – mas tenho observado isso. O cérebro só pode funcionar em completa segurança. Então ele funciona eficientemente, saudavelmente, não neuroticamente. E suas ações não se entortarão, desordenadamente. O cérebro precisa de segurança, como uma criança precisa de segurança. Essa segurança é negada quando nos separamos: os americanos, os russos, os indianos, os chineses. A divisão nacional destruiu essa segurança por causa das guerras.
A: Sim, essa é uma barreira física.
K: Fato físico. E no entanto nós não vemos isso. Governos soberanos, com seus exércitos, com suas marinhas, e todo o resto, estão destruindo a segurança.
A: Em nome de proporcioná-la.
K: Então, você vê, o que estamos tentando compreender é quão estúpida é a mente. Ela quer segurança – e ela precisa ter segurança – e no entanto ela está fazendo tudo para destruir essa segurança.
A: Ah, sim, sim. Eu vejo isso.
K: Então esse é um fator. E o fator da segurança está em trabalhos. Tanto em uma fábrica, em um negócio, quanto como um padre em seu trabalho. Então a ocupação se torna muito importante.
A: De fato se torna.
K: Então, veja o que está envolvido. Se perco meu trabalho, eu tenho medo, e esse trabalho depende do ambiente, da produção, do negócio, da fábrica – tudo isso, comercialismo, consumismo, e portanto competição com outros países. A França se isola porque ela quer… o que está acontecendo. Então precisamos de segurança física e fazemos tudo para destruí-la. Se todos nós falássemos, veja, vamos todos nos juntar, não com planos, não meu plano, seu plano ou o plano comunista, ou o plano de Mao, vamos como seres humanos sentar juntos e resolver este problema. Eles poderiam fazer isso! A ciência tem os meios de alimentar pessoas. Mas eles não alimentam, porque eles estão condicionados a funcionar para destruir a segurança que eles estão buscando. Então esse é um dos principais fatores em segurança física. E então há o medo da dor física. Dor física no sentido de: sentiu-se dor, por exemplo, na semana passada. A mente tem medo de que isso novamente aconteça. Então há esse tipo de medo.
A: Isso é muito interessante com relação ao fenômeno da dor física porque o que é lembrado não é a reação neurológica, mas a emoção que responde ao que ocorreu.
K: Sim, é isso. Então há esse medo.
A: Certo, certo.
K: E então há o medo da opinião externa, o que as pessoas dizem, opinião pública.
A: Reputação.
K: Reputação. Você vê, senhor, tudo isto nasce da desordem. Eu não sei se estou…
A: Ah, sim, sim.
K: Que debatemos.
A: Que exploramos antes.
K: Então, pode a mente trazer segurança, segurança física, que significa comida, roupa e abrigo para todos? Não como um comunista, como um capitalista, como um socialista ou como Mao, mas encontrarmo-nos como seres humanos para resolver este problema. Isto pode ser feito! Mas ninguém quer fazê-lo, porque eles não sentem responsabilidade por isso. Eu não sei se você esteve na Índia, se você foi de cidade em cidade, a vilarejos como eu fui, você vê a pobreza chocante, a degradação da pobreza, seu senso de desespero.
A: Sim, eu estive na Índia, e foi a primeira vez na minha vida que senti a pobreza, não simplesmente como uma privação, mas ela pareceu ter um caráter positivo sobre isto. Foi tão forte.
K: Eu sei, senhor. Pessoalmente, nós passamos por tudo isso. Então, sobrevivência física só é possível quando seres humanos se juntam. Não como comunistas, socialistas, todo o resto, como seres humanos que dizem, veja, este é nosso problema, pelo amor de Deus, vamos resolvê-lo. Mas eles não resolverão, porque eles estão preocupados com problemas, com planejar em como solucionar isso! Não sei se estou…
A: Sim, sim, você está.
K: Você tem seu plano, eu tenho meu plano, ele tem o plano dele, então, os planos se tornam o mais importante, mais importante que a fome. E brigamos uns com os outros. E o senso comum, a afeição, o cuidado, o amor pode mudar tudo isto. Senhor, não entrarei nisso. Então o medo da opinião pública. Você entende, senhor? O que meu vizinho dirá.
A: Minha imagem, a imagem nacional, sim.
K: E eu dependo do meu vizinho.
A: Ah, sim, necessariamente.
K: Se sou um católico morando na Itália, tenho que depender do meu vizinho, porque eu perderei meu trabalho se for um protestante lá. Então aceito isto. Vou e saúdo o Papa, ou o que for, não há sentido. Assim, tenho medo da opinião pública. Veja ao que a mente humana se reduziu. Eu não digo: “Ao inferno com a opinião pública porque isso é uma estupidez, eles estão condicionados, eles têm tanto medo quanto eu”. Então há esse medo. E há o medo, medo físico da morte, que é um medo imenso. Deve-se encarar este medo de forma diferente quando o encontramos, quando falamos sobre a morte e todo o resto.
A: Sim.
K: Então, há a forma externa do medo: medo da escuridão, medo da opinião pública, medo de perder o trabalho, medo de… – sobrevivência, não ser capaz de sobreviver. Senhor, eu vivi com pessoas que comem uma refeição por dia, e isso nem é suficiente. Eu andei atrás de uma mulher com uma menina, e a menina disse – na Índia – “Mãe, estou com fome”. E a mãe diz: “Você já comeu sua refeição do dia”. Você entende, senhor?
A: Sim.
K: Então há tudo isso, esses medos físicos, dor, e o medo da dor recorrente, e tudo isso. E os outros medos são muito mais complicados, medos de dependência, interiormente: Eu dependo da minha mulher, Eu dependo do meu guru, eu dependo do padre, eu dependo de… tantas dependências. E tenho medo de perdê-las, de ser deixado sozinho.
A: De ser rejeitado.
K: De ser rejeitado. Se essa mulher me abandonar, estou perdido. Fico com raiva, bruto, violento, ciumento, porque eu dependia dela. Então, a dependência é um dos fatores do medo. E interiormente tenho medo. Tenho medo da solidão. Outro dia vi na televisão uma mulher dizendo: “O único medo que tenho na vida é da minha solidão”. E, portanto, por ter medo da solidão, eu faço todo tipo de atividades neuróticas. Por estar solitário, me apego a você, ou a uma crença, ou a um salvador, a um guru. E protejo o guru, o salvador, a crença, e isso logo se torna neurótico.
A: Eu preencho o buraco com esta nova imagem.
K: Com este lixo.
A: Sim.
K: Há esse medo. E então há o medo de não conseguir chegar, vencer, vencer neste mundo de desordem, e vencer no assim chamado mundo espiritual. Isso é o que estão todos fazendo agora.
A: Realização espiritual.
K: Realização, que eles chamam de iluminação.
A: Expandir a consciência. Eu sei o que você quer dizer. É muito interessante o que você acabou de descrever o medo de ser abandonado. Agora temos medo de que nunca chegaremos. Por favor, continue.
K: A mesma coisa. Então há o medo de não ser, que se traduz em identificação com. Eu preciso me identificar.
A: Para poder ser.
K: Para ser. E se me identifico com meu país, Digo a mim mesmo, “Isso é muita estupidez”. Então eu digo: “Eu preciso me identificar com Deus” que eu inventei. Deus não criou o homem à sua imagem, o homem criou Deus à sua imagem. Você está acompanhando?
A: Ah, estou te acompanhando.
K: Então, não ser, não alcançar, não chegar, traz uma tremenda sensação de incerteza, uma tremenda sensação de não ser capaz de realizar, não ser capaz de estar com, e o grito: “Eu devo ser eu mesmo”.
A: Fazer minha própria coisa.
K: Minha própria coisa. O que é lixo! Então há todos estes medos, ambos os medos lógicos, medos irracionais, medos neuróticos, e medos da sobrevivência, sobrevivência física. Então, agora, como lidamos com todos estes medos e muitos outros medos, que não podemos investigar, – os quais iremos logo – como você lida com todos eles? Um por um?
A: Você estaria no lamentável circuito de fragmentação, se fizesse isso.
K: E também há os medos escondidos, que são muito mais ativos.
A: A contínua efervescência vinda de baixo.
K: Efervescência. Quando não estou consciente, eles passam a controlar.
A: Correto.
K: Então, como devo lidar em primeiro lugar, com os medos óbvios que descrevemos? Devo lidar com um de
cada vez, primeiramente me assegurar? Você acompanha?
A: Sim.
K: Ou tome a solidão e a encare, enfrente-a, atravesse-a, e assim por diante. Ou há um meio de lidar com o medo, não com seus galhos, mas com suas raízes? Porque se eu pegar cada folha, cada galho, isso levará toda a minha vida. E se eu começar a analisar os meus medos – analisar – então essa análise se torna uma paralisia.
A: E então até receio que eu possa não ter analisado corretamente.
K: Corretamente. E sou pego, repetidamente. Então, como devo lidar com este problema, como um todo, não somente com suas partes, seus fragmentos?
A: Não há uma dica de como ele deve ser tratado. Claro que, quando digo dica aqui, quero dizer extremamente, extremamente leve. Não sei se eu chamaria isto de um apontador, mas o medo, não importa quantas variedades imagina-se conhecer, o medo tem um sabor comum, poderia-se dizer, há algo lá que…
K: Sim, senhor, mas o que devo fazer com isto?
A: Ah, sim, claro, eu entendo bem. Mas me interessou, enquanto você falava, observar que já quando pensamos nos muitos medos, nem mesmo prestamos atenção a como temos medo, quando temos medo. Sim, eu estava interessado em ter esse “flash”, porque isso parece estar completamente de acordo com o que você está dizendo. E eu disse a mim mesmo, agora, nas nossas conversas estivemos apontando para o movimento. O movimento do medo é um.
K: Sim, um tremendo movimento.
A: E é um campo unificado de destruição.
K: É o fator comum de cada ser humano.
A: O campo completo, sim, exatamente, exatamente.
K: Se um homem mora em Moscou, ou na Índia, ou em qualquer lugar, é a coisa comum deste medo, e como ele deve lidar com isso? Porque a não ser que a mente esteja livre do medo, realmente, não verbalmente ou ideologicamente, estar absolutamente livre do medo. E é possível estar completamente livre do medo, e digo isto não como uma teoria, mas eu sei, eu passei por isto.
A: Verdade.
K: Verdade. Ora, como devo lidar com isto? Então, me pergunto, o que é medo? Não os objetos do medo ou as expressões do medo.
A: Não, ou a reação imediata ao perigo, não.
K: O que é o medo?
A: É uma ideia na minha mente, parcial.
K: Não. O que é o medo, senhor?
A: Se falamos, é uma constante…
K: Não, não. Além das palavras, além das descrições, as explicações, o caminho de saída e o de entrada, e todo o resto, o que é o medo? Como ele chega?
A: Se acompanhei você ao longo das nossas conversas até agora, eu estaria inclinado a dizer que é uma outra expressão da relação desordenada do observador com o observado.
K: O que isso quer dizer? O que é o observador… O que você diz… Olhe, o problema é este – estou somente esclarecendo o problema… Nós tentamos, o homem tentou cortar, ou reduzir, um medo atrás do outro, através da análise, através da fuga, através da sua identificação com alguma coisa que ele chama de coragem.
Ou então, bem, não me importo, eu racionalizo meus medos e permaneço num estado de racionalização, intelectual, explicação verbal. Mas a coisa está fervendo. Então, o que devemos fazer? O que é o medo? A não ser que eu descubra isto – não porque você me diz – a não ser que eu descubra por mim mesmo, como descubro por mim mesmo que tenho fome, – ninguém precisa me dizer que tenho fome! – preciso descobrir isto.
A: Sim, agora há uma diferença aqui em termos do que você acabou de falar. E, ao dizer isso, apontando para algo, e minha resposta anterior, quando você me perguntou o que é o medo, eu fiz a típica coisa acadêmica: “Se eu te acompanhei até agora, então parece claro que..”. Enquanto vamos esquecer sobre o seguinte, vamos zerar isto agora, e então eu devo dizer, não “eu deveria dizer”, mas eu devo dizer, que não posso dizer a ninguém o que é o medo, com relação ao que ele é, eu vou descobrir em mim como tal E todas as minhas contínuas descrições sobre ele são simplesmente um desvio da minha imediata questão que está aqui.
K: Sim. Então, não estou escapando.
A: Não.
K: Não estou racionalizando. Eu não estou analisando, porque análise é uma verdadeira paralisia.
A: Sim, de fato.
K: Quando você é confrontado com um problema como este, meramente girando ou analisando, e o medo de não ser capaz de analisá-lo perfeitamente, e então procura-se um profissional que também precisa de uma análise. Então sou pego. Então não vou analisar, porque eu vejo o absurdo disto. Está acompanhando, senhor?
A: Sim, estou.
K: Não vou correr.
A: Sem desistir.
K: Desistir.
A: Fuga.
K: Sem explicações, sem racionalismo, sem análise. Me deparo com isto. E o que é o medo? Espere um minuto, espere, espere, espere. Deixe isso. Então há os medos inconscientes dos quais não tenho conhecimento. Eles se expressam ocasionalmente, quando estou alerta, quando vejo a coisa surgindo em mim.
A: Quando estou alerta.
K: Alerta. Quando estou observando. Ou quando vejo algo, isto aparece, sem ser convidado. Agora, é importante para a mente estar completamente livre do medo. É essencial, assim como comida é essencial. É essencial para a mente estar livre do medo. Então vejo exteriormente o que discutimos. Agora, eu digo, o que é isto, quais são os medos escondidos; posso conscientemente convidá-los a vir à superfície? Você acompanha?
A: Sim, acompanho.
K: Ou a consciência não pode tocar isso? Você está acompanhando?
A: Sim, sim, estou, sim.
K: A consciência só pode lidar com as coisas que ela conhece. Mas ela não pode observar as coisas que desconhece.
A: Ou que acessa.
K: Então, o que devo fazer? Sonhos? Sonhos são meramente uma continuação do que eu vivi ao longo do dia, eles continuam de uma forma diferente – não vamos entrar nisso neste momento. Então, como deve tudo isso ser despertado e exposto? Os medos raciais, os medos que a sociedade me ensinou, os medos que a família impôs, que o vizinho – você sabe, todas essas arrepiantes, feias, coisas brutais que estão escondidas – como devem todas elas aparecer naturalmente e ser expostas de forma que a mente as veja completamente? Você entende?
A: Sim, entendo. Eu só estava pensando sobre o que estamos fazendo em relação ao que você está dizendo.Aqui estamos, em uma situação de universidade, onde mal se escuta qualquer coisa, se é que se escuta. Por quê? Bem, se fôssemos relacionarmo-nos com cada um em termos de sentar-me aqui dizendo a mim mesmo a cada vez que você afirmou algo, “o que devo responder”, ainda que minha reação fosse benigna e eu diga a mim mesmo como um professor, “Eu diria, ora, esse é um conceito muito interessante”. Talvez pudéssemos limpar isso um pouco, você sabe. Essa tolice, tolice em termos do que é imediato aqui. A isso me refiro.
K: Eu entendo.
A: Eu não digo demonstrar algo no quadro. Nós nunca deveríamos ter começado a ficar juntos, nunca iniciamos, e no entanto poderíamos ter criado a ideia para nós mesmos de que estávamos tentando arduamente ser sinceros. Sim, eu entendo.
K: Eu sei, eu sei.
A: Mas o medo é a base disso também, porque o professor pensa consigo mesmo…
K: Sua posição, seu…
A: Ele tem sua reputação em jogo aqui. É melhor que ele não fique em silêncio por muito tempo, porque alguém pode ter a impressão que ele não entende nada do que está acontecendo ou não tem nada para contribuir com o que está acontecendo. Todos os quais não têm nada a ver com nada. Por favor, continue.
K: Absolutamente. Olhe, senhor, o que eu descobri: a mente consciente, o pensamento consciente não pode convidar e expor os medos escondidos. Ela não pode analisá-los, porque a análise, dissemos, é inação, e não há escapatória, eu não devo correr para uma igreja, ou para Jesus, ou Buda, ou alguém, ou me identificar com alguma outra coisa. Eu deixei todos esses de lado, porque entendi sua utilidade, sua futilidade. Então fico com isto. Este é meu bebê. Então, o que devo fazer? Alguma ação deve acontecer. Não posso simplesmente dizer, “Bom, deixei tudo isso de lado, vou apenas esperar”. Agora, veja só o que acontece, senhor, porque eu deixei tudo isto de lado, através da observação, não através da resistência, não através da violência, porque eu neguei tudo aquilo – fuga, análise, fugir para algo e todo o resto disso – Tenho energia, não tenho? A mente agora tem energia.
A: Agora ela tem, sim. Sim, ela transborda.
K: Porque deixei de lado todas as coisas que estão dissipando energia.
A: A energia vaza.
K: Portanto tenho agora esta coisa. Sou confrontado com isso, confrontado com o medo. Ora, o que posso fazer? Escute isto, senhor, o que posso fazer? Não posso fazer nada, porque sou eu quem criou o medo, a opinião pública…
A: Sim, sim, sim.
K: Certo? Então não posso fazer nada sobre o medo.
A: Precisamente.
K: Mas há essa energia, que foi reunida, que se tornou realidade quando toda a dissipação de energia terminou. Há energia.
A: Sim. Exatamente, virtude – certo, certo – manifestada.
K: Energia. Ora, o que acontece? Isso não é uma mágica, algum tipo de experiência mística. Há medo real, e eu tenho tremenda energia, que se tornou realidade pois não há dissipação de energia. Então o que acontece? Então, espere, espere, espere.
A: Ah, estou esperando, estou esperando. Havia algo passando pela minha mente.
K: O que acontece? Então, o que criou o medo? O que o trouxe? Porque se eu tenho energia – você acompanha, senhor? – para fazer essa pergunta e encontro a resposta para essa pergunta, eu agora tenho energia. Eu não sei…
A: Sim, sim, sim.
K: Então, o que o trouxe? Você, meu vizinho, meu país, minha cultura?
A: Eu mesmo.
K: O que o trouxe?
A: Eu fiz isto.
K: Quem é eu?
A: Não quero dizer “eu” como sendo o observador fragmentado fora de mim. É este… estou pensando sobre o que você disse antes sobre a mente quando desordenada, que necessita se esvaziar da desordem. Ela necessita de outra mente para fazer isto?
K: Não, estou perguntando, o que trouxe este medo para dentro de mim, para dentro da minha consciência? Não vou usar essa palavra, porque teremos de investigar isso de um modo diferente. O que trouxe este medo? E não vou desistir até encontrar. Você entende, senhor? Porque eu tenho a energia para fazer isso. Não dependo de ninguém, de nenhum livro, de nenhum filósofo – de ninguém!
A: Seria o caso de no momento em que essa energia começa a transbordar, a própria pergunta desaparece?
K: E eu vou começar a descobrir a resposta.
A: Sim.
K: Não faço a pergunta.
A: Não.
K: Mas encontro a resposta.
A: Certo, certo.
K: Agora, certo. Qual é a resposta?
A: A resposta não poderia ser acadêmica, uma descrição de algo.
K: Não, não, não.
A: Uma mudança aconteceu no ser.
K: Qual é a resposta a este fato do medo, que tem sido mantido, que tem sido alimentado, que tem sido passado de geração a geração? Pode a mente observar este medo, seu movimento…
A: Seu movimento.
K: …não somente uma parte do medo.
A: Ou uma sucessão de medos.
K: Mas seu movimento.
A: O próprio movimento do medo.
K: Observá-lo sem o pensamento que criou o observador. Eu não sei…
A: Ah, sim, sim.
K: Então, pode haver observação deste fato, o qual chamei de medo, porque o reconheci, a mente o reconheceu, porque ela teve medo antes. Então, através do reconhecimento e da associação ela diz, “Isto é medo”.
A: Sim, ela nunca para.
K: Então, pode a mente observar sem o observador – que é o pensador – somente observar este fato? Isso significa que o observador, que é pensamento, o observador como pensamento produziu isto. Eu não sei… Então o pensamento produziu isto. Certo? Eu tenho medo do meu vizinho, do que diz, porque eu quero ser respeitável. Isso é produto do pensamento. O pensamento dividiu o mundo em América, Rússia, Índia, China e todo o resto, e isso destrói a segurança. Esse é o resultado do pensamento. Estou solitário e portanto eu ajo neuroticamente, o que também é o fato do pensamento. Então vejo muito claramente que o pensamento é responsável por isso. Certo? Certo, senhor? Então, o que acontecerá ao pensamento? O pensamento é responsável por isto. Ele alimentou isto, manteve isto, encorajou isto, ele fez tudo para mantê-lo. Tenho medo que a dor que senti ontem volte a acontecer amanhã. Que é o movimento do pensamento. Então, pode o pensamento, que só pode funcionar dentro do campo do conhecimento, – esse é seu fundamento – e o medo é algo novo a cada vez. O medo não é velho.
A: Não, não.
K: Torna-se velho quando eu o reconheço.
A: Sim, sim.
K: Mas quando o processo do reconhecimento, que é a associação de palavras e assim por diante, pode a mente observar isso sem a interferência do pensamento? Se pode, não há medo.
A: Certo, certo. A coisa que estava me incomodando enquanto eu estava aqui sentado atentamente, a coisa que estava me incomodando era que o momento que acontece, o pensamento e o medo imediatamente desaparecem.
K: Assim, o medo pode então ser completamente descartado. Se eu estivesse vivendo como um ser humano na Rússia e eles ameaçassem me colocar na prisão, provavelmente eu teria medo. É uma autopreservação natural.
A: Claro.
K: Esse é um medo natural, como um ônibus vindo correndo na sua direção, você se afasta, você foge de um animal perigoso, essa é uma reação autoprotetora natural. Mas isso não é medo. É uma resposta da inteligência operando, dizendo, pelo amor de Deus, saia da frente do ônibus que está correndo. Mas os outros fatores são fatores do pensamento.
A: Exatamente.
K: Então, pode o pensamento entender a si mesmo, e conhecer seu lugar, e não se projetar? Não controlar, o que é uma abominação. Você não pode… se você controlar o pensamento, quem é o controlador? Outro fragmento do pensamento.
A: Outro pensamento.
K: É um círculo, um jogo vicioso que você está jogando com você mesmo. Então, pode a mente observar sem um movimento do pensamento? Ela só fará isso quando você tiver compreendido todo o movimento do medo. Tiver compreendido isso, não analisado, olhando para ele. Ele é algo vivo, portanto, você precisa olhar para ele. Somente algo morto você pode dissecar e analisar, chutá-lo. Mas algo vivo, você tem de observar.
A: Isto é muito chocante, pois na nossa última conversa, justo no final, nós chegamos ao ponto em que levantamos a questão de alguém falando a si próprio, “Eu acho que entendo o que ouvi, agora vou tentar isso”. E então o medo mostra um espelho a si próprio.
K: Claro.
A: E de repente se está rodeado por um mundo de espelhos.
K: Você não diz, senhor, quando vê um animal perigoso: “Eu vou pensar sobre isto”, você se move! Você age. Pois há uma tremenda destruição esperando lá. Esta é uma reação autoprotetora, que é inteligência, diz: “Fuja!” Aqui não estamos usando inteligência. E a inteligência opera quando tivermos olhado todos esses medos, seus movimentos, sua essência, sua sutileza – o movimento completo. Então, a partir disso vem a inteligência e diz: “eu entendi isto”.
A: É maravilhoso. Sim, isso é muito bonito, muito bonito. Íamos dizer algo sobre o prazer.
K: Ah, isso deve ser tratado…
A: Certo, exatamente.
K: Então, senhor, olhe, nós dissemos que há os medos físicos e os medos psicológicos, ambos estão inter-relacionados. Não podemos dizer que esse é um e este é o outro, eles estão todos inter-relacionados. E a inter-relação, e a compreensão desse relacionamento traz esta inteligência, que irá operar fisicamente. Ela dirá, “vamos então trabalhar juntos, cooperar juntos para alimentar o homem”. Você acompanha, senhor?
A: Sim.
K: Não sejamos nacionais, religiosos, sectários. O importante é alimentar o homem, vesti-lo, fazê-lo viver feliz. Mas você vê, infelizmente, nós somos tão desordenados em nossa forma de viver que não temos tempo para nada mais. Nossa desordem nos está consumindo.
A: É interessante em relação à tradição – não digo começar agora uma conversa completamente nova, mas só para ver o que é imediatamente sugerido, entre muitas outras coisas que seriam, mas só esta. O que poderíamos dizer sobre os mau usos da tradição seria que nós fomos na verdade ensinados a do que ter medo. Nós temos no nosso idioma uma expressão, não é mesmo, que expressa uma parte disto, fábulas de velhas viúvas, dizemos, um acúmulo de avisos sobre coisas que são simplesmente imaginárias. Não no sentido criativo da imaginação – e estou usando a palavra “criativo” muito livremente, muito livremente – mas fantasia, fantasmagoria, dos primeiros anos das crianças, recebem isto no pacote. Então quando entramos na adolescência, refletimos sobre essas coisas que aprendemos, e se as coisas dão errado, sentimos que talvez é porque nós não aprendemos suficientemente do que nos foi dito. E então alguns jovens dirão nesse momento, “Vou jogar fora toda a coisa”. Mas então imediatamente a questão da solidão surge. Sim, sim.
K: Eles não podem, senhor, é a vida, assim é a vida, você não pode rejeitar uma parte e aceitar a outra.
A: Exatamente.
K: A vida significa tudo isto. Liberdade, ordem, desordem, comunicação, relacionamento, a coisa toda está viva. Se não entendemos, por exemplo, “Bom, eu não quero ter nada a ver com” então você não está vivendo. Você está morrendo.
A: Sim, claro. Me pergunto quanto… Me pergunto… continuo dizendo “Me pergunto” e a razão de me perguntar é porque o que temos dito sobre este movimento como um campo unificado, é, quando afirmado, tomado pelo pensamento, e você pode dizer “ponha no refrigerador” e essa é a realidade para a pessoa.
K: Exatamente, senhor.
A: E quando nós queremos olhá-lo, ele é um dos cubos de gelo que quebramos e damos uma olhada. Não é mesmo?
K: Está certo, senhor. Que lugar ocupa o conhecimento na regeneração do homem? Vamos olhar. Nosso conhecimento é: você deve ser separado. Você é um americano, eu sou um hindu – esse é nosso conhecimento. Nosso conhecimento é que você deve confiar no seu vizinho, porque ele sabe, ele é respeitável. Sociedade é respeitabilidade, sociedade é moralidade, então você aceita isso. Então o conhecimento trouxe todos esses fatores. E você de repente me conta, me pedindo, que lugar tem isso… que lugar ocupa a tradição, que lugar ocupa o conhecimento acumulado nos milênios? O conhecimento acumulado da ciência, da matemática, isso é essencial. Mas que lugar ocupa o conhecimento, que eu juntei através da experiência, através de geração após geração do empenho humano, que lugar ele ocupa na transformação do medo? Absolutamente nenhum. Você vê isso!
A: Não. Evidente, evidente. Porque o que nós… o que nós alcançamos antes disso sobre o instante em que isto é apreendido o pensamento que estava operando como um fragmento e o medo desaparece, e não é que algo o substitua em sucessão.
K: Não, nada o substitui.
A: Não, nada o substitui Nada o substitui
K: Não significa que haja vazio.
A: Ah, não, não, não. Mas você vê, está logo ali, quando você começa a pensar nele como um pensamento, você se assusta.
K: Por isso que é muito importante descobrir, ou entender, a função do conhecimento e onde o conhecimento se torna ignorância. Nós misturamos os dois. O conhecimento é essencial, para falar inglês, dirigir e uma dúzia de coisas, o conhecimento é essencial. Mas quando esse conhecimento se torna ignorância, quando realmente tentamos entender “o que é”, o “o que é” é este medo, esta desordem, esta irresponsabilidade. Para entender isso você não precisa ter conhecimento. Tudo o que você precisa fazer é olhar. Olhar para fora de você, olhar para dentro de você. E então você vê claramente que o conhecimento é absolutamente desnecessário, ele não tem valor algum na transformação ou na regeneração do homem. Porque a liberdade não vem do conhecimento, liberdade é quando não há fardos. Você não precisa procurar a liberdade. Ela surge quando não há o outro.
A: Não é algo no lugar do horror que havia lá antes.
K: Claro que não.
A: Sim, sim.
K: Eu acho que isso é suficiente.
A: Sim, sim, eu te acompanho bem. Talvez na próxima vez pudéssemos continuar com isto, com esse prazer, o lado oposto dessa moeda.