A arte de viver no presente

A arte de viver no presente “Quando estou comendo, eu como; quando estou bebendo, eu bebo; quando estou dormindo, eu durmo.” Assim um sábio da China antiga expressou a sua maneira de viver no presente. Soa muito simples, você deve pensar que também faz isto.

Mas devo lhe dizer que você não faz isto, comer quando estiver comendo. Quando estiver comendo – observe você mesmo, como isto ocorre. Enquanto estiver dando a garfada, mastigando e engolindo, a sua mente está em outro lugar. No café da manhã os seus pensamentos já estão no local de trabalho; enquanto isto, você passa manteiga no pão, mas nem percebe. Você está a ponto de se preparar para os trabalhos e desafios do dia que começa, e está avaliando as suas possibilidades e pensando nas suas reações. Isto é o que você realmente faz quando toma o café. E nas outras refeições também não é diferente.

Se for franco com você mesmo, admita que raramente você está com os sentidos naquilo que está fazendo. Ou você se antecipa a acontecimentos que virão, ou depois se perde em seus pensamentos e analisa as lembranças de alguns acontecimentos, que parecem, no momento, ser mais relevantes do que aquilo que você está fazendo naquele instante. Em outras palavras: a sua vida no presente não acontece. Pois os pensamentos surgem da atividade do cérebro. O cérebro é matéria, e do passado. Em conseqüência os nossos pensamentos também são de natureza material e do passado. Como o processo de pensamento sempre compara tudo com valores e dados do passado – mesmo operando no presente – ou seja, precisa utilizar o arquivo da lembrança em tudo que faz, você se movimenta basicamente no passado assim que começar a pensar (ou não parar de pensar). Isto é um fato.

Eu admito que é muito, muito difícil, ficar com todos os seus sentidos no presente. Todos os nossos impulsos nos empurram sempre para o passado. Nós também não somos capazes de ocupar nosso pensamento com a atividade do momento, constantemente o desviamos para campos que não têm nada a ver com o momento atual. Desta forma a pessoa sempre se desvia do acontecimento real que ocorre diante de seus olhos, e vive em uma dimensão menos atual. Este defeito de nunca encarar a realidade já nos aprisiona desde a juventude. É um costume que não conseguimos perder, pois não temos consciência dele. Nós realmente temos a impressão de que estamos nos ocupando com comer e beber enquanto estamos fazendo isto.

Então o seu primeiro exercício consiste em, futuramente, dirigir sua atenção ao acontecimento do momento. No início junte os seus pensamentos e os leve à sua atividade do momento. Como a nossa mente não está preparada para viver no presente é necessário superar com energia a inércia dos velhos costumes enraizados. Antes de mais nada, é necessário que você se interesse pelo presente.

Aqui já está a primeira grande dificuldade. O nosso cotidiano, como ele realmente é, nos desagrada muito. Ele é monótono, repetitivo, um dia quase igual ao outro, até os nossos pensamentos se movimentam em círculo, e se repetem constantemente. Às vezes nos sentimos como talvez uma planta se sinta, cuja semente o destino levou a um lugar sombrio e desagradável, onde ela deve se desenvolver enquanto existir. Nós não reconhecemos em nossa vida nenhum sentido agradável – e por isto estamos sempre fugindo da realidade. A nossa mente, os nossos pensamentos estão sempre ocupados em nos tirar da tristeza do momento e nos passar para uma visão da existência em campos melhores. E assim passam-se os anos, passa a vida. Nós vivemos, mas também não vivemos. Foi uma constante fuga, um desvio das prováveis durezas da realidade. Se então vem alguém e quer nos destruir este caminho, exigir que nos coloquemos na miséria de nossa vida, então automaticamente tendemos a rejeitar esta exigência. Quem aguenta enfrentar estas condições desamparado, olhá-las de frente, identificar-se com elas, aceitá-las, sem reservas?

Nós aprendemos a reprimir desde a nossa infância o medo destes sentimentos horríveis. A única alternativa que encontramos é a dedicação a pensamentos e sonhos que temos acordado, nos quais nos vemos bem sucedidos e fortes. E na prática da vida nós tentamos, o melhor possível, participar um pouco deste poder, pois nos dá segurança e nos permite suportar melhor a nossa vida limitada.

Por este preço da segurança, nós nos submetemos constantemente à autoridade de outras pessoas, aceitamo-las, e nos conduzimos conforme as suas instruções, apesar de muitas vezes isto ir contra a nossa mais profunda convicção. Nós compensamos estes estados afastando-nos em pensamento daquilo que está acontecendo. Tratamos os nossos problemas da mesma forma. Nós os assimilamos mentalmente, os analisamos, procuramos possibilidades de solucioná-los – e nos movimentamos em círculos até acharmos uma saída.

Nossos pensamentos acompanham os problemas com visões de vitória e grandeza, e imaginamos afastar o sofrimento e a tristeza diariamente, repetidamente, e enganamos a nós próprios. E além disso, buscamos assiduamente um sentido e objetivo para nossa vida. Nós aprendemos que tudo na vida tem de ter um motivo, um objetivo, de alguma maneira deve ter uma finalidade. Esta imaginação é uma formação da razão, e é errada. Nossa existência não tem nenhum objetivo determinado, nenhum motivo, nenhuma finalidade. É difícil para você imaginar, mas é verdade. Sem dúvida falta também o motivo para a sublimação no vale das lágrimas. A vida não é eleita para deixar o Homem ter uma existência cheia de sofrimento. Nós devemos deixar nossa vida transcorrer como ela é, nada mais. Mas viver da maneira certa. E viver de forma certa nós não conseguimos desde o momento em que começamos a viver o presente através do passado, em pensamentos de lembranças, em análises, mas não diretamente.

Quem vive totalmente no presente deve olhar de frente as suas dificuldades, a monotonia, e todos os fatos infelizes, indiferente de gostar ou não daquilo que percebe. Não pense que logo de início temos de gostar e aceitar tudo aquilo que vimos como realidade de nossa vida. Estamos isolados em nosso eu, do nosso ser original, que constitui nossa verdadeira pessoa. O que consideramos a pessoa, é o nosso eu, o ego mal-afamado. Este eu é uma formação que sempre é criada por pensamento, conhecimento, experiência e recordação, e que relaciona a sua existência com valores do passado. Não é possível para o ego viver totalmente no presente.

Quando você conseguir estar totalmente presente e observando cada momento de seu dia, você estará vivendo o seu eu original, o “eu” verdadeiro de Dschuang Dsi.

Esta vida através do eu ocorrerá quando você puder voltar os seus pensamentos ao presente e ao mesmo tempo observar esses pensamentos. Faça isto pela sua própria felicidade e bem-estar. Tenha esta percepção consciente do presente como um exercício permanente e diário. Fique atento aos pensamentos que tanto querem desviá-lo e distraí-lo do presente, do momento. Enfrente estas cenas feias iniciais e encare os fatos de frente. Pois assim, você, ao mesmo tempo, muda a sua situação.

Aquilo de que você decididamente não gosta, não ficará em sua vida. Com a libertação do seu eu original você coloca forças em movimentação, que agem pela sua felicidade e modificam fundamentalmente a sua situação para muito melhor do que você podia imaginar através de exercícios de pensamento positivo.

Deixe o futuro de sua vida por conta do Tao. Aja espontaneamente conforme a sua inspiração, e não fará erros. Os seus pensamentos se tornam mais insignificantes no presente e diminuirão cada vez mais com a sua mente observadora, soarão mais longe do seu núcleo e sumirão.

Você só precisa aproveitar aqueles impulsos que lhe são úteis para dominar as tarefas momentâneas. Idéias e imaginações que atingem a sua valiosa pessoa futuramente serão drasticamente esquecidas. Pois logo você não terá mais necessidade de fazer uma imagem de você mesmo, você se aceitou, sem desejos de mudanças, sem querer ser diferente daquilo que você é – uma pessoa que vive o aqui e o agora.

Como você anteriormente já se esforçou por reconhecer os seus compromissos e já se libertou deles, os pensamentos não conseguem mais circular ao redor destes fenômenos e distraí-lo. Surgirá por si mesma uma tranqüilidade e harmonia nesta mente até hoje tão confusa. Os conflitos e as confusões se diluirão e não terão mais força para retornar.

Do livro WU WEI – A ARTE DE VIVER DO TAO – Theo Fischer (recomendo!)

Publicado em Tao

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