Respiração
[Iniciamos esse retiro] pensando no Buddha, no Dhamma e na Sangha. Buddha é a incorporação da sabedoria, da calma e da paciência; Dhamma é a representação da Verdade, e a Sangha é seguir os ensinamentos do Buddha e conseguir a iluminação. Com esta observação nós ganhamos confiança em nosso treinamento, porque estamos nos colocando um objetivo de uma alta realização; por isso nesse retiro vocês estão observando preceitos especiais.
Estes não são os preceitos que vocês terão que observar pelo resto de sua vida; são chamados de “os oito preceitos monásticos”; esses oito preceitos são os que devemos observar para alcançar a purificação da mente, de modo que tornemos nossa mente calma e relaxada, e quando praticamos a meditação podemos ganhar a concentração mais rapidamente, de modo que possamos durante o retiro tornar a nossa vida simples e fácil de ser sustentada.
Quando há muitas outras coisas a fazer, a mente se tornará distraída; quando estamos envolvidos em muitas atividades nós nos tornamos mais agitados; quando temos muitas agitações e preocupações na mente, não conseguimos fazer a nossa prática de meditação de modo mais calmo e tranqüilo. Por isso observamos esses princípios de modo que possamos restringir-nos.
Esses preceitos não são nenhum tipo de mandamento; são preceitos que observamos voluntariamente; estes oito preceitos foram já traduzidos em Português e não precisam de maiores explicações; podemos seguir diretamente para as instruções da prática de meditação.
Como alguns de vocês não estão familiarizados com a prática da meditação, eu procurarei dar instruções bem simples, de modo que vocês possam seguir a prática.
Em primeiro lugar, procurem observar se vocês estão sentados na postura ereta e relaxada; procurem observar se o corpo não está curvado para frente, nem para trás; o corpo e a cabeça devem estar alinhados, de modo que quando vocês inspirarem e expirarem, os pulmões possam contrair e expandir plenamente.
Sentar na postura correta evita também que vocês caiam no sono; assim que perceberem que o corpo está se inclinando para frente, para trás ou para os lados, procurem estar conscientes disso; sentar na postura ereta é, portanto, a melhor maneira de manter a mente alerta. Assim que perceberem que estão caindo em sonolência, voltem para o estado de mente alerta.
Então, façam três respirações profundas, procurando observar a expansão do baixo abdômen, a contração e expansão do seu abdômen e do peito, de modo que vocês possam observar a contração e expansão natural dessas três áreas. Façam três respirações profundas, bem vagarosamente, de modo que essas áreas se expandam e contraiam…
(Prática…)
Então, respirem naturalmente, de modo que possam sentir a respiração fluindo sem nenhum esforço especial.
Procurem não verbalizar, nem conceitualizar: “expandindo … contraindo… inspirando… expirando”; procurem prestar atenção à simples e pura respiração. Embora a nossa prática de meditação não seja apenas se concentrar na respiração, a respiração é um instrumento muito importante como objeto de concentração. Nós usamos a respiração por algumas razões muito úteis. Como disse, a respiração não é o objetivo total, mas um dos instrumentos muito importantes da nossa prática. A respiração é pura e simples, não pertence a nenhuma tradição, cultura ou religião em particular; por isso não há nenhum preconceito em relação à respiração; não há um proprietário da respiração; é encontrada de modo livre e gratuito; é universal; traz a vida; precisamos respirar para nos manter vivos; todos os seres vivos respiram.
Ao mesmo tempo a respiração é bastante natural; nesta respiração natural nós também encontramos algo muito importante: temos que repetir a respiração. A repetição da respiração é sempre uma lembrança da impermanência; como não existe nada na vida que façamos apenas uma vez, então a respiração lembra-nos que tudo é repetitivo; se a respiração não fosse impermanente, nós teríamos que respirar apenas uma vez; como é impermanente, temos que respirar de novo, de novo. Por isso, toda vez que inspiramos e expiramos, nos lembramos do aspecto grosseiro da impermanência. Com a respiração também, além do aspecto grosseiro e superficial da impermanência, nossa mente se torna afiada, limpa e clara, de modo a perceber as mudanças sutis ocorrendo na respiração. Para que possamos perceber isso, não devemos nem verbalizar nem conceituar; devemos prestar total e não-dividida atenção à respiração. Sati na respiração é uma consciência atenta de alta qualidade. A elevada qualidade da concentração é aquela que está isenta do ódio, da cobiça e da confusão.
Quando prestamos atenção na respiração, às vezes ela pode ser muito agradável, criando calma e paz e podemos nos apegar à essa respiração. Por isso prestamos atenção à respiração, sem nos apegar àquelas sensações prazerosas naquela respiração.
Algumas vezes essa respiração pode criar uma perturbação em nossa mente e com isso sentirmos aversão para com ela; por isso devemos evitar esse ressentimento que surge.
Algumas vezes a respiração pode ser tão suave que não percebemos a impermanência; então podemos pensar que é algo permanente. A permanência é uma delusão, e com Sati prestamos atenção a esse tipo de delusão. Prestando atenção à respiração podemos perceber as mudanças que ocorrem nessa respiração, e com isso temos a percepção da sensação da respiração, que muda conforme a respiração também vai mudando.
Quando também expiramos, mentalmente percebemos essa respiração; esta é uma percepção que também muda. Para prestar atenção na respiração existe uma vontade e um esforço, e esta atividade volitiva também muda. Então, temos total consciência da sensação, da percepção, da atenção, e essa consciência também muda com a mudança dessas coisas. Não tente parar para pensar nessas coisas, mas essas são as coisas que mudam e vocês simplesmente prestem atenção a essas mudanças.
Algumas vezes vocês podem ouvir sons; mesmo nesses sons você experienciará mudanças; você poderá sentir sensações no seu corpo; se prestar atenção a estas sensações perceberá que elas também mudam. Se a mente se distrair, não se aborreça com isso, não fique desapontado, simplesmente observe esse estado distrativo da mente. As distrações da mente são outros exemplos da impermanência.
Qualquer coisa que você sentir será sempre um exemplo sobre a impermanência; tudo que você tem que fazer é prestar atenção ao que você experiencia, enquanto impermanência.
Qualquer que seja a sensação ou emoção que surja, simplesmente preste atenção a ela, procurando não se apegar nem rejeitá-la. Algumas vezes você sentirá um estado muito pacífico e tranquilo da mente; simplesmente observe sem se apegar a isso; algumas vezes você terá sensações desagradáveis, procure não rejeitá-las, simplesmente observe com atenção.
Lembre-se que tudo isso acontece aqui e agora, neste momento em que estamos sentados; você simplesmente respirando e observando isso. Procure não trazer o passado para o presente; procure não trazer o futuro para o presente; simplesmente procure prestar atenção para o que acontece neste momento. O melhor modo de prestar atenção ao momento presente é estar junto com a respiração; porque isso é o que continua vindo e indo neste momento presente.
Então, se você prestar atenção à respiração, poderá estar em um estado de calma; perceberá que tudo flui com a respiração. A respiração aparece como o foco frontal e as outras coisas ficarão apenas como pano de fundo; se você observar a impermanência de outras coisas, então a respiração ficará como pano de fundo.
Qualquer que seja o caso, não verbalize; apenas preste atenção ao que você está experimentando. Mesmo a mente, que está prestando atenção a todas as coisas, está mudando; você perceberá que não existe uma pessoa ou entidade observando isso; a experiência, a mente cambiante em si, a própria observação do quê está mudando, também estão mudando. A única coisa que você deve procurar não fazer é verbalizar e conceitualizar.
Quando você não conceitualiza, seu insight cresce muito rapidamente. Com essas simples instruções, eu vou deixar vocês praticando e seguindo essas instruções.
Respirem vagarosa e profundamente, até que a respiração se torne lenta, calma e relaxada…
(Prática…)
Trecho de Mente consciente, Mente subconsciente a perspectiva da Psicologia Budista
Retiro com Bhante Henepola Gunaratana
organizado pela Casa de Dharma – fevereiro 2005