O caminho do bodhisattva é um caminho heróico. Nos países onde ele se desenvolveu — Tibete, China, Japão, Mongólia — as pessoas são austeras, diligentes e terrenas. O estilo da prática mahayana reflete as qualidades heróicas dessas pessoas — a tradição japonesa do samurai, a laboriosidade dos camponeses na China, a luta dos tibetanos com o solo improdutivo e impraticável do país. Contudo, nos Estados Unidos, o enfoque austeramente heróico do proceder desses povos é, com freqüência, entendido como – e distorcido em — militância rígida, arregimentação robotizada. 0 significado original implicava o encantamento do sentir-se invencível, do não se ter nada a perder, do se estar plenamente convencido do próprio isolamento. Às vezes, é claro, os bodhisattvas iniciantes hesitam em tomar a decisão ousada de abandonarem a iluminação, de se lançarem à mercê dos seres sencientes e de trabalharem com eles com encantamento e orgulho na ação compassiva. Ficam com medo. Tal hesitação é descrita de forma metafórica nos sutras como o ficar parado à entrada da nossa moradia, com um pé na rua e o outro dentro de casa. Esse instante é a prova: decide se vamos além da indecisão e nos aventuramos na terra de ninguém da rua, ou se decidimos recuar aos nossos limites conhecidos; se estamos dispostos a trabalhar para o bem de todos os seres sencientes ou se desejamos nos comprazer na mentalidade arhat da auto-iluminação. A preparação para o caminho do bodhisattva é a unificação do corpo e da mente: o corpo trabalha para a mente e a mente trabalha para o corpo. As práticas hinayanas de shamatha e vipashyana tornam a mente precisa, tranqüila e suave no sentido positivo —fazem-na estar onde está, ao invés de sonhar, dormir ou ter percepções confusas.
Chogyan Trungpa em O Mito da Liberdade e o Caminho da Meditação
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