Q: Tenho verdadeiro terror da morte. Posso vir a não ter medo da inevitável aniquilação?
Krishnamurti : Por que você toma como certo que a morte é aniquilação ou continuidade? Qualquer conceito é fruto de um desejo condicionado, não é mesmo? Um homem miserável, infeliz e frustrado dirá: “Graças a Deus, em breve tudo terminará. Não terei mais com que me preocupar.” Ele quer a aniquilação total. Mas o homem que diz “Eu ainda não terminei, eu quero mais”, desejará a continuidade. Bem, mas por que a mente assume algo em relação à morte? Logo examinaremos a questão do motivo pelo qual a mente teme a morte: antes disso, entretanto, vamos libertar a mente de qualquer conceito que ela possua a respeito da morte, pois só então, é claro, você poderá compreender o que é a morte. Se você acredita em reencarnação, que é uma esperança, uma forma de continuidade, então você jamais compreenderá o que é a morte, não mais do que o faria se fosse um materialista, um comunista e acreditasse na aniquilação total. Para compreender o que é a morte, a mente precisa ter-se libertado tanto da crença na continuidade quanto da crença na aniquilação. Esta não é uma resposta capciosa. Se você quer compreender algo, você não deve abordá-lo partindo de uma opinião formada. Se quer saber o que é Deus, você não pode ter uma crença acerca de Deus; você precisa colocar tudo isso de lado e examinar. Se alguém quer saber o que é a morte, sua mente deve se libertar de quaisquer conceitos a respeito, sejam eles favo ráveis ou desfavoráveis. Mas pode sua mente ficar livre de conceitos? E se a mente se libertou de conceitos, existe o medo? Sem dúvida, são os conceitos que o amedrontam e, diante disso, ocorre a invenção das filosofias. Eu gostaria de dispor de mais algumas vidas para terminar o meu trabalho, para me tornar perfeito e, sendo assim, deposito minhas esperanças na filosofia da reencarnação. Eu digo: “Sim, eu renascerei; terei outra oportunidade”, etc. Dessa forma, no meu desejo de continuidade, crio uma filosofia ou aceito uma crença que se torna o sistema a que a mente fica aprisionada. E se eu não quero prosseguir, porque a vida para mim é muito penosa, então procuro uma filosofia que me assegura a aniquilação. Esse é um fato simples e evidente. Mas, quando a mente está livre de ambas, qual é o seu estado em relação ao fato denominado “morte”? Para a mente isenta de conceitos, existe a morte? Sabemos que os mecanismos se desgastam com o uso. O organismo X pode durar cem anos, mas ele se desgasta. Não é com isso que nos preocupamos. Mas interiormente, psicologicamente, queremos que o “Eu” continue; e o “Eu” é feito de conceitos, não é verdade? A mente possui uma série de esperanças, de determinações, de vontades, de conceitos
— “Eu cheguei”, “Quero continuar a escrever”, “Quero encontrar a felici dade” — e ela quer que estes conceitos continuem, ou seja, ela tem medo de que eles terminem. Mas, se a mente não tem conceitos, se ela não diz: “Eu sou alguém”, “Eu quero que o meu nome e minhas propriedades prossigam”, “Quero realizar-me através de meu filho”, etc. — tudo isso são desejos, conceitos — então não se encontra a própria mente em um estado em que se morre constantemente? E para uma mente assim, existe a morte? Não concordem. Não se trata de uma questão de concordar, nem isso é pura lógica. É uma experiência real. Quando sua mulher, ou seu marido, ou sua irmã morre, ou quando você perde uma propriedade, logo descobrirá o quanto você é apegado ao conhecido, mas quando a mente se liberta do conhecido, então não é a própria mente o desconhecido? Afinal, temos medo é de deixar o conhecido, entendendo-se por conhecido tudo aquilo que concluímos, que julgamos, que comparamos, que acumulamos. Eu conheço a minha mulher, a minha casa, a minha família, o meu nome; eu cultivei certos pensamentos, experiências, virtudes, e tenho medo de que tudo isso se vá. Assim, enquanto a mente tiver qualquer tipo de conceito, enquanto ela se mantiver presa a um sistema, a uma fórmula, a um conceito, ela não poderá saber o que é a verdade. A mente que acredita é a mente condicionada, e quer ela acredite na continuidade ou na aniquilação, não poderá descobrir o que é a morte. E é apenas agora, enquanto você vive, não quando estiver inconsciente, morrendo, que você pode descobrir a verdade desse extraordinário fenômeno chamado morte.
Krishnamurti