Psicólogos e neurocientistas reconhecem hoje que a mente humana tende a divagar, empenhada nos chamados “pensamentos independentes de estímulos”. O principal método de estudo fora de laboratório de fenômenos mentais do gênero é uma técnica chamada “amostragem de experiência”. Usando-se um telefone celular ou algum outro dispositivo, pede-se aos sujeitos que descrevam o que estão fazendo e como se sentem em intervalos aleatórios ao longo do dia. Constatou-se num estudo que, quando lhes perguntaram se sua mente estava divagando — isto é, se eles pensavam em algo sem relação com a experiência do momento —, os sujeitos relataram que estavam perdidos em pensamentos em 46,9% do tempo. Toda pessoa com treinamento em meditação sabe que essa porcentagem sem dúvida é maior — em especial se fôssemos contar todos os pensamentos que, embora talvez relacionados de modo superficial com a tarefa presente, ainda assim constituem uma distração desnecessária. Por menos confiável que possam ser os relatos pessoais, o estudo constatou que as pessoas são consistentemente menos felizes quando sua mente divaga, mesmo se o conteúdo dos pensamentos for agradável. Os autores concluíram que “a mente humana é divagante, e a mente divagante é uma mente infeliz”. Quem já passou um tempo em um retiro silencioso há de concordar.
A mente divagante foi correlacionada à atividade nas regiões da linha mediana do cérebro, em especial o córtex pré-frontal medial e o córtex parietal medial. Essas áreas com frequência são chamadas de “rede padrão” ou “rede de estado de repouso” porque são as mais ativas quando estamos apenas em compasso de espera, aguardando que algo aconteça. A atividade na rede padrão [default-mode network, abreviada como DMN] diminui quando os sujeitos se concentram em tarefas do tipo empregado na maioria dos experimentos com neuroimagem.
A DMN também foi associada à nossa capacidade de “autorrepresentação”. Se uma pessoa acredita ser alta, por exemplo, o termo alto produzirá um sinal maior nessas regiões da linha mediana do que o termo baixo. De modo análogo, a DMN é mais ativada quando fazemos esse tipo de avaliação de relevância sobre nós mesmos, em oposição a fazê-las sobre outra pessoa. Ela também tende a ser mais ativa quando avaliamos uma cena do ponto de vista da primeira pessoa (em vez da terceira pessoa).
De modo geral, prestar atenção no que está fora de nós reduz a atividade na linha mediana do cérebro, enquanto pensar em nós mesmos a eleva. Esses resultados parecem se reforçar mutuamente e poderiam explicar a experiência comum de nos “perdermos no trabalho”. A meditação da atenção plena e a meditação da bondade amorosa (metta, em páli) também diminuem a atividade na DMN, e o efeito é mais pronunciado entre meditadores experientes (enquanto meditam e também em repouso). Embora seja cedo demais para tirarmos conclusões decisivas com base nessas descobertas, elas insinuam uma ligação física entre a experiência de estar perdido em pensamentos e o sentido de self (e também um mecanismo pelo qual a meditação poderia reduzir as duas coisas).
A prática da meditação por longo tempo também está associada a uma variedade de mudanças estruturais no cérebro. Meditadores tendem a possuir corpo caloso e hipocampo maiores (nos dois hemisférios). A prática também está relacionada a uma maior espessura da substância cinzenta e à maior formação de sulcos e giros no córtex. Algumas dessas diferenças se salientam em especial em praticantes mais velhos, o que sugere que a meditação poderia proteger contra um adelgaçamento do córtex devido à idade. A importância cognitiva, emocional e comportamental desses achados anatômicos ainda não foi estudada, mas não é difícil ver que eles poderiam explicar os tipos de experiências e mudanças psicológicas relatadas por meditadores.
Meditadores experientes (com mais de 10 mil horas de prática) respondem de modo diferente à dor em comparação aos novatos. Sua avaliação da intensidade de um estímulo desagradável é igual, mas eles o julgam menos incômodo. Também apresentam menor atividade em regiões associadas à ansiedade quando preveem uma sensação de dor, e se habituam mais rápido ao estímulo quando ele ocorre. Outro estudo constatou que a atenção plena reduz a sensação de incômodo e a intensidade de estímulos danosos.
Há tempos se sabe que o estresse, em particular na fase inicial da vida, altera a estrutura do cérebro. Estudos com animais e humanos mostraram, por exemplo, que o estresse no começo da vida aumenta o tamanho das amígdalas. Um estudo concluiu que um programa de oito semanas de meditação da atenção plena reduziu o volume da amígdala basolateral direita, e essas mudanças estavam correlacionadas a uma diminuição subjetiva do estresse. Outro estudo constatou que um dia inteiro de prática de atenção plena (entre meditadores treinados) reduziu a expressão de vários genes que produzem inflamação em todo o corpo, e ela se correlacionou a uma resposta melhor ao estresse social (diabolicamente, pediu-se aos sujeitos que fizessem um breve discurso e cálculos mentais enquanto eram filmados diante de um público). Meros cinco minutos de prática diários (por cinco semanas) aumentaram a atividade da linha de base do lado esquerdo do córtex frontal — um padrão que, como vimos ao tratar do cérebro dividido, foi associado a emoções positivas.
Um exame da literatura psicológica indica que a atenção plena, em especial, favorece muitos componentes da saúde física e mental: melhora a função imunológica, a pressão arterial e os níveis de cortisol; reduz a ansiedade, a depressão, os transtornos neuróticos e a reatividade emocional. Ela também propicia a regulação comportamental e se mostrou promissora no tratamento de toxicodependência e de distúrbios alimentares. Não surpreende que a prática esteja associada a um maior bem-estar subjetivo. O treinamento em meditação compassiva aumenta a empatia, medida pela capacidade de julgar com precisão as emoções de outras pessoas, e também o afeto positivo na presença de sofrimento. Demonstrou-se que a prática de atenção plena produz efeitos pró-sociais semelhantes.
A investigação científica de vários tipos de meditação está apenas começando, mas existem hoje centenas de estudos que indicam que essas práticas nos fazem bem. Repetindo: de um ponto de vista pessoal, nada disso é surpreendente. Afinal, existe uma enorme diferença entre ser refém dos próprios pensamentos e ter a percepção da vida presente de um modo livre e sem julgamento. Fazer essa transição é interromper os processos de ruminação e reatividade que muitas vezes nos mantêm tão indispostos conosco mesmos e com as outras pessoas. Sem dúvida há muitos mecanismos distintos envolvidos: regulação da atenção e do comportamento, maior percepção corporal, inibição de emoções negativas, reestruturação conceitual da experiência, mudanças na visão do “self” etc. — e cada um desses processos terá suas próprias causas neurológicas. No sentido mais amplo, porém, meditação é a simples capacidade de parar de sofrer de muitos dos modos usuais, ainda que só por alguns momentos de cada vez. Como poderia não ser uma habilidade que vale a pena cultivar?
Do livro Despertar de Sam Harris