Sem dúvida, não existe uma resposta fácil de como nos libertamos do sofrimento, mas nossos professores fazem todo o possível para nos guiar dando-nos uma espécie de caixa de ferramentas espiritual. A caixa contém ensinamentos e práticas pertinentes e úteis, assim como uma introdução a uma visão absoluta da realidade: que os pensamentos, emoções ou shenpa não são tão sólidos como parecem. A ferramenta principal, que engloba o relativo e o absoluto, é a prática de meditar sentado, sobretudo, quando ensinada por Chögyam Trungpa. Ele descreveu a prática básica como estar totalmente presente. E enfatizou que abre espaço para que nossas neuroses aflorem. Não era, como disse, “umas férias da irritação”. Ele ressaltou que essa prática básica, sintetizada pela instrução de voltar sempre ao imediatismo de nossa experiência, de respirar, sentir, ou outro objeto da meditação, revela uma completa abertura em relação às coisas como elas são, sem um revestimento conceitual. Permite que iluminemos e apreciemos nosso mundo e a nós mesmos incondicionalmente. Seu conselho sobre a maneira de nos relacionarmos com o medo, a dor, ou a falta de uma estrutura sólida e de lhes dar boas-vindas, de ficarmos coesos em vez de nos fragmentarmos em dois, uma parte rejeitando ou julgando a outra. Sua instrução em relação à respiração era de senti-la de leve e deixá-la fluir. Seu ensinamento a respeito dos pensamentos era o mesmo: deixá-los livres para desaparecerem no espaço sem fazer da meditação um projeto de autoaperfeiçoamento. A atitude em relação a essa meditação é de relaxar. Sem uma sensação de esforço para alcançar um estado superior, simplesmente sentamos sem uma meta, sem tentar ficar calmo ou se libertar de todos os pensamentos, e seguimos as instruções: sentar confortavelmente, com os olhos abertos, consciente do objeto da meditação sem sobrecarregá-lo (não é uma concentração intensa), e a mente devaneia, mas depois volta com suavidade. O que quer que aconteça, não nos desculpamos ou condenamos. A imagem usada com frequência é de uma pessoa idosa sentada sob o sol, observando calmamente crianças brincando. É claro, temos de ser pacientes com esse processo e nos permitir um tempo ilimitado. É como se girássemos uma roda a vida inteira. Ela roda rápido, mas, por fim, aprendemos a não mais girá-la. Sabemos que a roda continuará a girar por algum tempo. Ela não vai parar de repente. Essa é uma situação muito comum: paramos de girar a roda, nem sempre fortalecemos o hábito, mas estamos em um estado intermediário especial, entre não ser sempre fisgado e nem ser capaz de resistir a morder o anzol. Isso se chama “o caminho espiritual”. Na verdade, não existe mais nada além desse caminho. Não existe outro caminho além do modo com que nos relacionamos a cada momento com os acontecimentos. Desistimos da expectativa de qualquer realização e, nesse processo, continuamos a aprender o que significa apreciar o fato de estar aqui.
Há alguns anos, eu estava dominada por uma ansiedade profunda, uma ansiedade crucial e intensa sem um motivo aparente. Sentia-me muito vulnerável, com medo e angustiada. Apesar de sentar e respirar, relaxar e sentir a sensação, o terror não diminuía. Esse estado psicológico continuou por muitos dias, e eu não sabia o que fazer. Procurei meu professor Dzigar Kungtrül, e ele disse: “Oh, eu conheço esse lugar”. Isso foi reconfortante. Contou-me que, em determinadas épocas de sua vida, ele teve a mesma sensação. Disse que foi uma parte importante de sua jornada, além de um grande aprendizado. Depois, fez algo que mudou minha maneira de praticar. Pediu para eu descrever o que sentia. Perguntou se feria fisicamente e se era quente ou frio. Pediu para descrever a característica da sensação da forma mais precisa possível. Esse exame detalhado continuou por algum tempo, e, então, ele se animou e falou: “Ani Pema, essa é a bênção Dakini. É um nível superior de bênção espiritual”. Eu quase caí da cadeira. Pensei: “Uau, isso é maravilhoso!” Eu não podia esperar o momento de sentir essa sensação tão intensa de novo. E sabe o que aconteceu? Quando sentei ansiosa para praticar, é claro, desaparecera a resistência, assim como a ansiedade. Agora sei que, em um nível não verbal, a aversão à minha experiência foi muito forte. Provoquei uma sensação desagradável. Basicamente, eu só queria que desaparecesse. Mas, quando meu professor disse “bênção Dakini”, mudou por completo o modo com o qual a via. Então, aprendi o seguinte: interesse-se por seu sofrimento e medo. Aproxime-se, entregue-se, fique curioso; mesmo que seja por um instante, vivencie os sentimentos além dos rótulos, além de serem bons ou ruins. Dê boas-vindas a eles. Estimule-os. Faça qualquer coisa para dissolver a resistência. Assim, da próxima vez que perder a confiança e não suportar o que está sentindo, lembre-se dessa instrução: mude a maneira de encarar a experiência e aceite-a. Em termos básicos, essa foi a instrução que recebi de Dzigar Kungtrül. E agora a transmito a você. Em vez de atribuir seu desconforto a circunstâncias externas ou à sua fraqueza, escolha ficar presente e despertar sua experiência, sem rejeitá-la, sem agarrá-la, nem alimentar histórias que conta a si mesmo sem cessar. Esse é um conselho inestimável que se dirige à verdadeira causa do sofrimento, seu, meu e de todos os seres vivos.
Trecho do livro O Salto de Pema Chödrön