Meditação: treino de atitude diante de tudo que surge na vida

A forma pela qual encaramos o que surge durante a meditação representa um treino de nossa atitude diante de tudo que surge em outras situações da vida. Portanto, o desafio está em desenvolver compaixão juntamente com uma visão clara, em treinar para estar leve e animado, em lugar de tornar-se mais infeliz e oprimido pela culpa.

Se não for assim, tudo o que vamos conseguir é rebaixar a nós mesmos e a todos os demais. Nada está à altura. Nada é bom o bastante. A honestidade, sem bondade, humor e boa vontade, pode ser simplesmente mesquinha. Do início ao fim, voltar-se para o próprio coração a fim de descobrir o que é verdadeiro não é apenas uma questão de honestidade, mas também de compaixão e respeito por aquilo que vemos. É importante aprender a ser generoso consigo mesmo e a respeitar-se, já que, fundamentalmente, quando nos voltamos para nosso coração e começamos a perceber o que é radioso e o que é confuso, o que é doce e amargo, estamos descobrindo não apenas a nós mesmos — estamos descobrindo o universo. Quando vemos o Buda que somos, percebemos que tudo e todos são o Buda. Percebemos que tudo e todos estão despertos. Tudo é igualmente precioso, inteiro e bom. Todos são igualmente preciosos, inteiros e bons. Quando encaramos pensamentos e emoções com humor e abertura, passamos a perceber o universo da mesma maneira. Não estamos falando apenas de nossa libertação pessoal, mas de ajudar a comunidade em que vivemos, nossa família, nosso país, todo o continente, sem falar do mundo, da galáxia e de tão longe quanto quisermos ir. Há uma interessante transição que ocorre natural e espontaneamente. Começamos a descobrir que, à medida que há coragem em nós mesmos — disposição para olhar, para voltar-se diretamente para o próprio coração — e à medida que somos generosos conosco mesmos, surge a segurança de que, na verdade, podemos nos esquecer de nós mesmos e nos abrir para o mundo. Não abrimos nosso coração e mente às pessoas simplesmente porque elas desencadeiam em nós uma confusão com a qual não queremos lidar, pois não nos sentimos corajosos ou equilibrados o bastante. À medida que olhamos com clareza e compaixão para nós mesmos, temos confiança e coragem para olhar nos olhos dos outros.

Então, essa experiência de abertura em direção ao mundo começa, simultaneamente, a beneficiar a nós mesmos e aos demais. Quanto mais nos relacionamos com os outros, mais rapidamente descobrimos onde estamos bloqueados, em que ponto somos ásperos, temerosos e fechados. Esse processo é benéfico, mas é também doloroso. Frequentemente, nossas reações servem de munição contra nós mesmos e essa é a única resposta que conhecemos. Não somos bondosos. Não somos honestos. Não somos corajosos e, portanto, bem que poderíamos desistir de tudo agora mesmo. No entanto, se aplicarmos suavidade e ausência de julgamento a tudo que virmos, neste exato momento, conseguiremos fazer amizade com esse constrangedor reflexo que vemos no espelho. Olhar para essa imagem transforma-se em motivação para nos tornarmos mais leves e suaves, já que sabemos que essa é a única maneira de continuar a trabalhar com os outros e ser de algum benefício para o mundo. Esse é o começo do crescimento. Seremos sempre crianças enquanto não quisermos ser honestos e bondosos conosco mesmos. Quando simplesmente tentamos aceitar a nós mesmos, o velho fardo da autoimportância torna-se bem mais leve. Finalmente, existe espaço para uma curiosidade autêntica e percebemos que sentimos gosto pelo que nos cerca.

Trecho de Quando tudo se desfaz por Pema Chödrön

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