O Buda recomenda, para desenvolver a concentração, a conscientização do ar inspirado e do ar expirado como um dos métodos mais populares e práticos: “Esta concentração obtida pela atenção no movimento respiratório, quando desenvolvida e praticada com persistência, é pacificadora e sublime e leva a um estado de felicidade sem mácula e duradoura, no qual será banido imediatamente e neutralizado qualquer pensamento indesejável e maléfico no momento preciso em que surja.”
A técnica do Exercício de Concentração na Respiração
Devemos praticar este exercido de concentração só quando feito deliberadamente pela vontade, e quando o tempo lhe for próprio. Para praticar este exercício, é absolutamente necessário que fiquemos sentados naturalmente, numa posição confortável, Porém eretos e sem encostarmos em nada, a cabeça no prolongamento da coluna, as mãos superpostas descansando descontraídas sobre as coxas. A posição sentado no chão de pernas cruzadas com as plantas dos pés voltadas para cima nas coxas opostas, á maneira dos iogues, não é essencial, porém preferível, pois prepara o meditante para permanecer sentado por horas prolongadas, sem esforço.
Uma das condições essenciais é a renúncia, durante o tempo em que ficarmos sentados. Renunciaremos a todos os desejos por mais intensos que eles se apresentem, ou seja, renunciaremos ao desejo de buscar, de possuir capacidades extraordinárias através da meditação, de escolher ou selecionar intelectualmente, assim como de dar uma direção proposital à concentração da mente. Isto trará libertação mental. Renunciar também significa a ausência completa de esforços, no sentido de conseguir essa libertação, de compreender o significado das coisas e a razão da vida. Portanto, quando meditarmos, devemos fazê-lo com a mais despreocupada das intenções, com a naturalidade de um descanso à sombra de uma árvore depois de uma longa caminhada, como escutar o canto dos pássaros, ou apreciar uma paisagem com prazer. Sem intenções, sem medos, nem pressa, ficaremos apenas como observadores da nossa mente e do nosso corpo, sem aversão ou apego às sensações ou pensamentos agradáveis, desagradáveis e indiferentes que nela apareçam. Desta forma, em nenhum instante dirigiremos a nossa mente, como se estivéssemos sentados à margem da correnteza mental; mantendo os olhos semicerrados ou fechados, permaneceremos apenas como expectadores de para onde o pensamento se dirige. O pretexto, freqüentemente utilizado, de não termos um momento sequer para a prática da meditação consciente não passa de um subterfúgio da mente para dissimular o nosso apego ao tempo em ocupações, aparentemente mais importantes, quando não for o caso de torpor mental.
A forma correta de respirar na meditação
Respiramos normalmente e naturalmente. Nossa mente deve se concentrar unicamente na inspiração e na expiração, isto é, como o ar entra e sai pelas narinas (como sensação física produzida pelo toque do ar nas narinas, e não no conceito de respiração). Nossa respiração pode ser, ora profunda, ora curta; isto não tem nenhuma importância. Continuamos respirando normalmente. o importante é que, quando as respirações forem profundas, tenhamos consciência de que respiramos profundamente e, quando forem curtas, tenhamos consciência do ato. Nossa mente deve estar totalmente concentrada na respiração, de forma a tomar plena consciência desses movimentos e das mudanças do ritmo.
O que acontece na meditação com a respiração. Sensações e benefícios
Ao iniciar esta concentração na respiração, temos logo a surpresa de constatar que nossa mente é invadida por idéias, pensamentos, lembranças, ruídos, coceiras, etc., aparentemente incontroláveis. Desta forma, podemos observar como nossa mente é intranquila, presa de estímulos e reações emocionais permanentemente condicionadas, desencadeadas pelo contato momentâneo da nossa mente com o mundo exterior, através dos sentidos. É uma busca cega, incessante, insaciável por satisfação. Isto não é realidade, mas um sonho desperto, uma seqüência de conceitos e fantasias do nosso mundo repleto de inúmeras formas identificáveis, reconhecíveis pelos nomes relacionados às imagens conceituais à nossa volta. O conhecimento da Realidade nos escapa e nós, inexplicavelmente, não fazemos o menor esforço para disciplinar nossos próprios pensamentos. Por preguiça, por indiferença, ou por centenas de pretextos, costumamos assistir ao desenrolar dos acontecimentos mais desagradáveis atribuindo aos outros os nossos tropeços e a incapacidade de compreender as razões do erro. Por comodidade, deixamos a mente desatenta e sem rumo. Vivemos de sonhos, fantasias, especulações inúteis. Diariamente somos abalados por medos, apegos e aversões, angustias, insatisfações e procuras. Mesmo quando começamos a perceber a maneira como nossos pensamentos nos iludem e atormentam, sem concentração, o jorro dos pensamentos recomeça novamente agitando e entristecendo-nos a todo instante, o que nos lembra sermos iguais a fantoches movidos por cordões, num teatro de marionetes.
Assim, ao iniciar o treino de concentração na respiração, para o praticante não desviar sua atenção da concentração e não se envolver, ou participar de pensamentos, ruídos, etc. que ocorrem durante a meditação, alheios a sua concentração, poderá utilizar o que se chama “rótulo mental”, ou “nota mental”, que, como o próprio nome indica, serve para designar aquilo que ocorre no momento, na mente. Então, fixando a mente no movimento do ar passando pelas narinas, provocado pela respiração, rotulamos: “entrando”, “saindo”.
Outras coisas que ocorrem no corpo também são objeto de observação e de autoconhecimento. Percebendo o corpo inclinado e querendo corrigir a posição, observaremos sempre, em primeiro lugar, a intenção – a intenção de mover, e depois o corpo movendo -, depois rotular “intenção”, “intenção”; a seguir, “movendo”, “movendo” e colocamos o corpo na posição correta. Desta maneira, não movemos o corpo de uma maneira cega e automática, o objetivo é evitar qualquer tipo de automatismo e desenvolver a Plena Atenção gradativamente e a correta compreensão. A qualquer movimento que se faça, observe-se sempre a intenção, depois o movimento do corpo, e outras coisas que ocorrem no corpo. Percebendo que vamos engolir saliva, rotular “sentindo, sentindo” e, em seguida, ao se preparar para engolir, rotular “preparando”; ao engolir, rotular “engolindo”; quando, então, novamente voltarmos a atenção à respiração, isso será feito com qualquer objeto que surgir na mente.
Os benefícios da meditação no corpo e na mente
Se insistimos praticando este exercício no mínimo duas vezes por dia, de preferencia de manhã e á noite, durante 10 a 20 minutos de cada vez, aos poucos nossa mente se concentrará unicamente na respiração e assim se realizará este tipo de concentração. Ao fim de algum tempo, poderemos experimentar esta fração de segundo em que nossa mente estará totalmente concentrada na respiração, momento em que os ruídos não perturbam mais, a mente não fica invadida por pensamentos e o mundo exterior não existe mais para nós. Este rápido momento será uma experiência tão grande, tão cheia de alegria, de felicidade e calma, que teremos o desejo de prolongá-lo. Mas isto não estará ainda ao nosso alcance. Porém, continuando na prática desse exercício regularmente, a experiência se reproduzirá repetidas vezes e, progressivamente, por períodos mais longos.
Chega o momento em que a respiração torna-se mais fraca, a ponto de tornar-se imperceptível, instante em que desaparece a própria atenção na respiração. Esta nova experiência prolongada pela prática desenvolve o poder de concentração, que pode levar, com o tempo, é realização da supra consciência – dhyana.
A prática de concentração na respiração nos trará benefícios imediatos e nos tornará mais calmos, tranquilos, o sono mais profundo, o trabalho cotidiano mais eficaz e nossa saúde física se beneficiará. Mesmo nos momentos em que nos sentirmos nervosos ou impacientes, se praticarmos este exercício apenas 2 minutos, comprovaremos que ele nos acalmará, nos apaziguará imediatamente e teremos a impressão de despertar de um sono reparador. Chegando ao término da meditação, devemos observar a intenção de levantar. Ao levantar, devemos manter a vigilância em cada um dos movimentos desta seqüência, nos mínimos detalhes como preparação dos membros, mover das mãos e dos pés, soerguimento do peso do corpo, esticar-se, e assim por diante. Os movimentos devem ser lentos; estes movimentos, executados no ritmo normal, perturbariam a continuidade da atenção; devemos nos comportar e movermos de modo a não interromper a seqüência da concentração.
Do livro BUDISMO – PSICOLOGIA DO AUTOCONHECIMENTO – Dr. Georges da Silva e Rita Homenko