Abrindo a caixa de Pandora – Joko Beck

Abrindo a caixa de Pandora

A qualidade de nossa prática está sempre refletida na qualidade de nossa vida. Se de fato estivermos praticando, haverá uma diferença com o passar do tempo. Bem, uma das ilusões que talvez alimentemos quanto à nossa prática, é que ela tornará as coisas mais confortáveis, mais claras, mais fáceis, mais pacíficas etc. Nada poderia estar mais distante da verdade. Hoje de manhã, enquanto tomava café, dois contos de fadas surgiram de repente em minha memória e imagino que nada que aconteça assim seja desprovido de algum motivo. Os contos de fadas implicam algumas verdades básicas e fundamentais sobre as pessoas. Por isso, permanecem vivos por tanto tempo.

O primeiro conto que me surgiu foi o da princesa e a ervilha. Em tempos remotos, o teste para se saber se a princesa era verdadeira consistia em fazê-la dormir em cima de uma pilha de trinta colchões e ver se ela podia sentir a ervilha embaixo do último.

Bem, poderíamos dizer que a prática nos transforma em princesas; tornamo-nos mais sensíveis. Passamos a conhecer coisas a respeito de nós mesmos e dos outros, que antes desconhecíamos. Tornamo-nos muito mais sensíveis, mas às vezes também ficamos mais mordazes.

A outra história foi sobre a caixa de Pandora. Vocês se lembram: alguém ficou tão curioso a respeito do conteúdo daquela misteriosa caixa, que finalmente a abriu e tudo que havia de mau saiu de dentro, criando o caos. Para nós, a prática é sempre assim: abre a caixa de Pandora.
Todos nós nos sentimos separados da vida; sentiremos que existe uma parede a
nossa volta. Pode não ser uma parede muito visível; pode até ser invisível, mas ela está lá. Enquanto nos sentirmos separados da vida, sentiremos a presença de uma parede. Uma pessoa iluminada não terá paredes a sua volta, contudo, nunca conheci alguém que eu sentisse estar completamente livre delas. Porém, com o prosseguimento da prática, a parede fica cada vez mais fina e transparente.

Essa parede vem nos mantendo distantes do contato. Talvez estejamos ansiosos,
podemos estar tendo pensamentos perturbadores, mas nossa parede nos mantém inconscientes disso tudo. Entretanto, ao praticarmos (e muitos aqui sabem disso muito bem), a parede começa a ter buracos. Antes era uma prancha cobrindo a água borbulhante; agora, a prancha começou a ter furos, pois a prática nos torna mais cônscios e sensíveis. Não podemos nos sentar imóveis durante trinta minutos sem aprender alguma coisa. Quando esses trinta minutos acontecem dia após dia, por muito tempo, aprendemos cada vez mais. Queiramos ou não, aprendemos.

Trecho de Joko Beck em Sempre Zen