MOYERS: Lembro me de uma conferência em que você desenhou um círculo e disse:
“Esta é a sua alma”.
CAMPBELL: Bem, isso foi apenas um expediente pedagógico. Platão disse, em alguma
parte, que a alma é um círculo. Tomei essa ideia para sugerir, no quadro negro, a esfera total da psique. Depois desenhei uma linha horizontal, atravessando o círculo, para representar a linha divisória entre o consciente e o inconsciente. O centro, de onde provém toda a nossa energia, eu o representei por um ponto, no centro do círculo, abaixo da linha horizontal. Todos os propósitos de uma criança provêm das exigências do seu pequeno corpo. É assim que a vida começa. Uma criança é, em larga medida, o impulso da vida. Depois entra a mente, tendo que imaginar: O que vem a ser isso tudo? O que eu desejo? Como consegui-lo?
Pois bem, acima da linha horizontal está o ego, que eu representei por um quadrado: é o aspecto da nossa consciência que identificamos como O nosso centro. Mas, como você vê, ele está muito distante do centro. Pensamos que isso é que está comandando o espetáculo, mas não está.
MOYERS: O que comanda o espetáculo?
CAMPBELL: O que comanda o espetáculo é o que brota de baixo para cima. O período em que se começa a perceber que o ego não está comandando o espetáculo é a adolescência, quando todo um novo sistema de exigências começa a se anunciar, através do corpo. O adolescente não tem a mínima ideia de como manipular tudo isso, e não pode senão especular sobre o que o está puxando – ou, mais misteriosamente ainda, o que a está puxando.
MOYERS: Parece muito evidente que chegamos aqui, como crianças, com uma espécie de receptáculo de memória, lá embaixo.
CAMPBELL: Bem, é surpreendente constatar quanta memória existe lá embaixo. O bebê sabe o que fazer quando lhe põem um bico de seio na boca. Há todo um sistema de ação embutido que, quando o vemos nos animais, chamamos instinto. Esta é a base biológica. Mas então acontecem certas coisas que tornam repulsivo, difícil, ameaçador ou pecaminoso fazer algumas das coisas que somos compelidos a fazer, e é quando começamos a enfrentar nossos problemas psicológicos mais perturbadores. Os mitos servem, primariamente, para fornecer instruções fundamentais nessa área. A sociedade atual não nos dá a instrução mítica adequada, dessa espécie, e por isso os jovens têm dificuldade de encontrar o seu caminho. Minha teoria é que, se você descobrir o que bloqueia uma pessoa, poderá achar também a contraparte mitológica para essa dificuldade de passagem de uma etapa para outra.
MOYERS: Ouvimos pessoas dizerem: “Entre em contato com você mesmo”. Na sua opinião, o que significa isso?
CAMPBELL: É perfeitamente possível alguém ser influenciado pelos ideais e pela autoridade dos outros, a ponto de ignorar o que desejaria e poderia ser. Quem cresce num ambiente extremamente restritivo e autoritário dificilmente chegará a atingir o conhecimento de si mesmo.
MOYERS: Porque lhe dizem o que fazer.
CAMPBELL: Dizem-lhe exatamente o que fazer, a todo instante. No exército, você faz o que se espera que você faça, lá. Quando criança, na escola, você está sempre fazendo o que lhe mandam fazer, por isso conta os dias que faltam para as férias, pois é quando você poderá ser você mesmo.
MOYERS: O que diz a mitologia a respeito de entrar em contato com esse outro eu, esse eu verdadeiro?
CAMPBELL: O primeiro ensinamento seria seguir as sugestões do próprio mito e do seu guru, o seu mestre, alguém que saiba das coisas. É como um atleta, na sua relação com o treinador. Este lhe diz como pôr em ação as suas próprias energias. Um bom treinador não diz a um corredor exatamente em que posição manter os braços ou coisas desse tipo. Ele o observa correr e depois o ajuda a corrigir sua maneira natural e própria de o fazer. Um bom professor está ali para identificar possibilidades e potencialidades, e em seguida dar conselhos, não ordens. A ordem seria: “Este é o modo como eu faço, você deve fazer do mesmo modo”. Alguns artistas ensinam dessa maneira. Mas, em qualquer caso, o professor deve exteriorizar o que pensa, dar algumas indicações gerais. Se não houver ninguém que o ajude nisso, você precisará fazer tudo a partir do zero; é como reinventar a roda. Uma boa maneira de aprender é encontrar um livro que pareça tratar dos problemas em que você esteja envolvido, no momento. Isso certamente lhe dará algumas pistas. Em minha vida, aprendi muito lendo Thomas Mann e James Joyce, que aplicaram temas mitológicos básicos à interpretação dos problemas, questões, realizações e preocupações do jovem em estágio de crescimento, no mundo moderno. Você pode descobrir os seus próprios motivos de orientação mitológica nos livros de um bom romancista que, por sua vez, compreenda essas coisas.