Estivemos discutindo o modo de lidar com a consciência, o último estágio de desenvolvimento do ego, e também lidamos com os conceitos, o estágio precedente. Quando falamos de ‘lidar” com eles, não era uma questão de eliminá-los por completo mas, na realidade, de vê-los e transmutar suas qualidades confusas em qualidades transcendentais. Não deixamos de utilizar as energias do pensamento, as energias das emoções e as energias da conceituação. Geralmente, quando se apresenta a idéia do ego, a reação imediata do público é olhá-lo como um vilão, um inimigo. Sentimos que devemos destruir esse ego, esse eu, e isso é uma atitude masoquista e suicida. As pessoas tendem a pensar dessa forma porque, habitualmente, quando falamos em espiritualidade, tendemos a pensar que estamos combatendo o mal; nós somos bons, a espiritualidade é o bem supremo, a síntese do bem, e o outro lado é o mal. Entretanto, a espiritualidade verdadeira não é uma batalha; é a suprema prática da não-violência. Não estamos considerando parte alguma de nós mesmos como um vilão, como se fosse um inimigo, mas tentamos usar tudo como parte do processo natural da vida. Tão logo se forme a noção de polaridade entre bem e mal, somos apanhados pelo materialismo espiritual, que é o esforço para atingir a felicidade num sentido simplista, seguindo para a egoidade. Por isso, o muro da dualidade não é algo que temos de destruir, eliminar ou exorcizar. No entanto, tendo percebido as emoções como elas são, dispomos de mais material com o qual poderemos trabalhar criativamente. Isso deixa bem claro que a noção de samsara depende da noção de nirvana e a noção de nirvana depende da noção de samsara; elas são interdependentes. Se não houvesse confusão, não haveria sabedoria.
Chogyam Trungpa