Deveis descobrir por vós mesmo, se é possível a mente existir isenta de pensamento. E isso só poderá ser descoberto se compreenderdes todo o processo do pensar. Significa que deveis saber o que é “pensar”. Em termos mais simples: o que chamamos pensar é uma reação da memória. A memória é a causa, e o pensar é o efeito. Será possível que a mente que está sempre a pensar e a agitar-se, a afligir-se, continuamente a desejar, a reprimir-se, invejosa, ávida, etc., será possível, dizia eu, que essa mente acabe com esse sistema? Isto é, poderá o experimentador cessar de experimentar? Mais uma vez, só o descobrireis se iniciardes a investigação de todo o processo do pensar e da memória de modo sério; e, se prestardes atenção às vossas lembranças, ao funcionar de vossa própria mente, vereis que a coisa é muito simples. Nesse caso, e a despeito de todos os livros, a despeito de todas as pessoas que dizem ser possível ou impossível, descobrireis por vós mesmos se a vossa mente pode libertar-se completamente do passado. Mas isso não significa deixardes de reconhecer o passado, esquecer-vos de vosso endereço. Isso seria absurdo, seria um estado de amnésia. Descobrireis que é possível que a mente fique de todo vazia. E descobrireis, também, que a mente completamente vazia é a mente verdadeiramente criadora – e não aquela outra atulhada de lembranças – porque, uma vez vazia, a mente torna-se sempre capaz de receber aquilo que se chama a Verdade. Assim, deveis começar a compreender todo o processo do passado, e isso só será possível se o seguirdes, se diariamente vos tornardes conscientes dele em tudo que empreenderdes. Vereis que existe um estado mental totalmente dissociado do passado, e, que por meio dessa total dissociação do passado, obtereis conhecimento do Eterno.
Trecho de A Arte de Viver de Jiddu Krishnamurti
No livro WU WEI – A ARTE DE VIVER DO TAO de Theo Fischer aparece o mesmo conceito, segue abaixo:
Os pensamentos e o eu, ou o ego, dependem um do outro. Ambos são processos de natureza material. Eles partem do cérebro, que é uma matéria. Além de nossos cinco sentidos dispomos de um grande número de outros instrumentos para conseguirmos viver. Entre esses está a lembrança, ou seja nossa memória. Precisamos dela quando estamos andando e queremos voltar para casa. Não seria possível que não lembrássemos mais de nosso endereço ou número de telefone. A lembrança é o repositório de todas as experiências vividas por nós. A soma desta experiências somos nós, isto é o eu. Tudo que sabemos sobre nós guardamo-lo de alguma forma em nossa memória, seja de processos cotidianos ou o que absorvemos de diferentes estados de processos de aprendizado. De qualquer forma, existe a imagem que formamos de nós mesmos e com a qual nos comparamos aos outros, exclusivamente pelo armazenamento de acontecimentos do passado, mesmo que sejam bem recentes.
Mesmo que o último acontecimento que influiu em nossa imagem, seja a de um minuto atrás, ele já é antigo. Por conseqüência só sabemos de coisas sobre nós através de própria vivência destes fatos ou aquilo que aprendemos de segunda ou terceira mão. Dizemos simplesmente: nosso eu é um produto que é mantido por pensamentos; pensamentos que extraem sua própria substância da memória. E essa memória, por sua vez, é formada no passar do tempo por acontecimentos que foram mentalmente analisados, comparados e adaptados antes que pudessem entrar no depósito das lembranças via consciência. O ego consiste em todo o conhecimento sobre nós mesmos, em uma série de acontecimentos que ocorreram em um círculo fechado de acontecimentos – pensamentos – análises – memória – e experiências. Um verdadeiro círculo infernal. Considere os preconceitos que forçosamente influenciam nosso pensamento, pois aprendemos desta forma e não de outra, e interpretamos nossas experiências desta forma. Então fica claro que captamos de todo tipo de realidade apenas aquela caricatura formada por nós mesmos.
(…)
Resumindo, o pensamento cria o eu, o ego, e este, por outro lado, é responsável pela formação dos pensamentos. Ambos se movimentam na forma de tempo do passado. Mesmo o futuro é uma forma de passado, pois ele é um produto do pensamento e se forma baseado em experiências do passado. Para limitar o pensamento e colocá-lo no seu lugar é suficiente observar os seus próprios pensamentos. Assim eles diminuirão gradativamente e muitas vezes até sumirão – sem se violentar. Reprimir não adianta nada. Quando eu resolvo controlar meus pensamentos, isto já é um processo de pensamento, e eu me movimento em círculo. Observar os pensamentos é meditar. Esta meditação não exige nenhuma forma externa ou postura física. Observando os pensamentos, a mente atinge a tranqüilidade, torna-se mais clara, mais capaz de desempenho, e principalmente mais receptível para a silenciosa voz da inspiração que, por outro lado, vem do tempo e do pensamento. Assim o Homem pode viver totalmente no presente. É apenas uma questão de ser conseqüente, superar a sua inércia e começar a observar.