Muitas maneiras de reverenciar o conforto e as amenidades – Charlotte Joko Beck

Qual é o deus que construímos? O que de fato honramos, a que damos realmente atenção, de momento a momento? Poderíamos chamá-lo de o deus do conforto, das amenidades e da segurança. Quando reverenciamos esse deus, destruímos a nossa vida. Quando reverenciam o deus do conforto e das amenidades, as pessoas literalmente se matam, com drogas, álcool, corridas de automóveis, raiva, imprudências. As nações reverenciam esse deus numa escala muito maior e destrutiva. Enquanto não enxergarmos de forma honesta que é disso que nossa vida trata, não seremos capazes de descobrir quem somos de fato. Temos muitas maneiras de lidar com a vida, muitas maneiras de reverenciar o conforto e as amenidades. Todas elas baseiam-se na mesma coisa: o medo de deparar com qualquer tipo de incômodo. Se devemos ter ordem e controle absolutos, estamos tentando evitar toda e qualquer fonte de incômodo. Se conseguimos fazer com que as coisas sejam do jeito que queremos e ficamos zangados quando isso não acontece, então pensamos que podemos sobreviver e deixar de lado nossa ansiedade a respeito da morte. Se conseguimos agradar a todas as pessoas, então imaginamos que as coisas desagradáveis não entrarão em nossa vida. Esperamos que, sendo a estrela do espetáculo, resplandecente, maravilhosa e eficiente, teremos uma platéia tão embevecida que não precisaremos sentir nada. Se conseguirmos nos afastar do mundo e entreter-nos apenas com nossos próprios sonhos, fantasias e distúrbios emocionais, pensaremos que conseguimos nos furtar aos incômodos. Se conseguirmos prever tudo antes, se conseguirmos ser tão espertos que nos seja possível encaixar tudo em algum plano ou ordem, formulando um entendimento intelectual completo, então talvez não sejamos ameaçados. Se conseguirmos nos submeter a alguma autoridade, fazê-la ditar-nos como agir, então poderemos entregar a outrem a responsabilidade por nossa vida e não teremos mais que nos incumbir dela. Não teremos de sentir a ansiedade de tomar uma decisão. Se vivermos alucinadamente correndo atrás de todas as sensações agradáveis, de todas as excitações, de todas as formas de diversão, então talvez não tenhamos de sentir dor. Se conseguirmos dizer aos outros o que fazer, mantendo-os bem sob controle, sob nossos pés, talvez eles não consigam nos ferir. Se conseguirmos “viajar” num êxtase qualquer, se conseguirmos ser um “buda” inconsequente, não teremos de assumir a responsabilidade pelos incômodos do viver. Poderemos apenas relaxar e ser felizes. Todas essas são versões do deus que realmente reverenciamos. É o deus do nenhum desconforto e do nenhum incômodo. Sem exceção, todo ser na Terra tem essa atitude, em maior ou menor grau.

Charlotte Joko Beck no livro Nada De Especial: Vivendo Zen

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