FADIGA E TRABALHO
Diz-se que a fadiga vem do excesso de trabalho. Consequentemente, a cura da fadiga é o descanso, quer dizer, não fazer nada. Mas a verdade é que mais frequentemente a fadiga é devida, não ao excesso de trabalho, mas à falta dele, ou melhor, à preguiça ou tédio. A fadiga não deveria ocorrer tão depressa ou tão facilmente, se você soubesse como fazer o trabalho. Se estiver interessado em seu trabalho, você pode continuá-lo por muito tempo sem sentir fadiga. E, precisamente, um dos meios para se recuperar da fadiga, é não se sentar e cair em apatia e tamas* mas assumir um trabalho que desperte seu interesse. Trabalho feito com alegria e entusiasmo calmo é tônico. É descanso dinâmico. Trabalho feito sem interesse, como uma espécie de dever e obrigação, naturalmente o cansará logo. Assim, o remédio para a fadiga é manter o interesse desperto. Mas há um outro mistério. O interesse não depende do trabalho: qualquer trabalho pode tornar-se interessante, até mesmo a um grau extremo. Não há trabalho que por si só seja monótono, insípido e desinteressante. Tudo depende do valor que você lhe dá e compete-lhe torná-lo tão atraente como um romance ou tão significante quanto um símbolo.
Como fazê-lo? Como achar interesse em qualquer coisa ou em tudo? Não há um trabalho que esteja de acordo com sua natureza, adaptado a seu caráter e à sua capacidade? E não existem trabalhos que vão contra sua natureza e que estão fora de seu alcance e de sua competência?
A questão não diz respeito a seu alcance e sua capacidade. Tudo depende de sua atitude, da consciência com que você se acerca de um trabalho, especial-mente quando você é um sadhak. Quando um trabalho aparece ou quando você tem que fazê-lo, deve assumi-lo como algo que valha a pena ser feito. Seja qual for o valor que lhe é dado normalmente ou que você próprio lhe dá, não deveria ser negligenciado ou meramente tolerado, mas ser bem recebido e você deveria dedicar-se a ele com a máxima escrupulosidade. Mesmo que seja algo insignificante como, por exemplo, um trabalho doméstico, não o considere vil ou abaixo de sua dignidade. Assim que você começar a fazer uma coisa no espírito certo, descobrirá que ela se torna extraordinariamente interessante. Tente trazer perfeição, mesmo para aquele pouco de insignificância. Faça-o de boa vontade, mesmo se for esfregar o chão, dizendo para si mesmo: “Devo fazê-lo o melhor possível, quer dizer, poderei fazê-lo até mesmo melhor que um empregado. Farei com que o chão pareça realmente em ordem, limpo e bonito”. Este é o
ponto crucial do problema. Você deveria exibir o melhor de si e colocá-lo em seu trabalho. Em outras palavras, o trabalho tornar-se-ia um instrumento de progresso. A boa vontade, a atenção, a concentração, o autoesquecimento e o controle de si, sobre seus órgãos e nervos, (quanto menor o trabalho, tanto mais detalhado o controle adquirido) tudo que seja necessário para fazer um trabalho perfeito, com o máximo de perfeição possível, são elementos trazidos à tona e que contribuem para torná-lo uma pessoa melhor. Na verdade, um trabalho pelo qual você não tenha inclinações preferenciais, ao qual não esteja emocionalmente ligado, mesmo normalmente indiferente, pode ser de especial ajuda, porque, então, você será capaz de fazê-lo com menos perturbação nervosa, com maior desapego e desinteresse.
O homem geralmente escolhe seu trabalho ou é obrigado a escolhê-lo por uma preferência vital, um preconceito ou ideia de que seja a espécie de trabalho no qual possa brilhar ou ter sucesso. Esta vaidade egoísta ou este oportunismo podem ser necessários ou inevitáveis na vida comum. Mas quando se deseja ir além da vida comum e aspirar pela vida verdadeira, este apego e esta escolha pessoal tornam-se mais um impedimento do que um auxílio para progredir em direção ao caminho da vida verdadeira. A atitude yóguica em relação ao trabalho é, pois, aquela de desapego absoluto, de não fazer nenhuma escolha, mas de aceitar e fazer qualquer coisa que lhe seja dada, qualquer coisa que lhe venha no curso normal de sua vida e de fazê-la com máxima perfeição possível. É desta maneira, e apenas assim, que todo trabalho se torna extremamente interessante e toda vida um milagre de deleite.
Contudo, isso não quer dizer que não haja um trabalho que lhe seja inerente, para o qual você não tenha uma aptidão especial, no qual e através do qual sua alma, o Divino, possa expressar-se plena e completamente, de um modo especial. Mas qual é esse trabalho? O kartavyam karma — o trabalho que se tem obrigação de fazer, derivado de seu swadharma — sua autonatureza? Evidentemente não é aquele de sua natureza superficial que a mente escolhe, que o vital prefere, e o corpo acha conveniente. Para encontrar seu verdadeiro trabalho ou o trabalho de sua alma, você deve passar por uma disciplina considerável e por um treinamento rigoroso.
Você não pode desprezar este ou aquele trabalho ao acaso, declarando que não são adequados a você, ou pegar qualquer coisa que sua imaginação favoreça. Na verdade, não pode desprezar nada, desperdiçar nada, simplesmente porque seja desagradável ou não suficientemente agradável. Quanto mais violentamente tentar afastar uma coisa de si, tanto mais ela se apegará a você. Em vez disso, você deve aprender a deixar uma coisa cair por si mesma, tranquila, automática e definitivamente. Esta é a única maneira de se livrar de algo indesejável ou desnecessário. Antes de mais nada, seja sincero consigo mesmo, quer dizer, tente seguir a luz e a aspiração mais altas em você, a cada momento, e seja fiel a elas e apenas a elas. Nunca se permita ser abalado ou tocado por simpatias ou antipatias de sua mente ou de seu coração ou de seu corpo. Faça mesmo o que discorde da natureza de seu corpo ou de seu coração ou de sua mente. Se lhe for apresentado como a coisa a ser feita, faça-a tão calma, desapaixonada e perfeitamente quanto possível e deixe o resto a seu destino mais alto. Se você pertencer todo à sua alma, se for obediente ao Divino somente, então, enquanto esta consciência e este equilíbrio cresceram mais nítidos e firmes, você verá que coisas não consoantes com elas abandoná-lo-ão tranquilamente, sem qualquer esforço ou reação de sua parte, como as folhas de outono caem de galhos que não mais lhes fornecem seiva. Seu trabalho será mudado, suas circunstâncias serão mudadas, seu relacionamento com as coisas e pessoas será automaticamente e inevitavelmente mudado, de acordo com a necessidade e exigência de sua consciência-alma.
Tamas: inércia, incapacidade, obscuridade.
Capítulo de O Yoga de Sri Aurobindo